domingo, 29 de junho de 2008

O Badio entre o Betacismo e o Metaplasmo

Vou falar-vos da versão mais lógica e menos conhecida da origem da palavra "badiu" , que tem vários significados mas que hoje identifica o habitante da ilha de Santiago de Cabo Verde.

Mas,... quem sou eu para resolver falar de assuntos de linguística, se a minha formação é da área das chamadas ciências exactas?

Em primeiro lugar, neste blog, os artigos têm sempre o tal cunho pessoal e não devem ser considerados artigos científicos. Em segundo lugar, eu sempre me desenvencilhei bem em matemática (a disciplina em que melhores notas apanhava) o que me estimulava as células cinzentas da região cerebral também responsável pelos dotes linguísticos. É assim que apanhei o gosto pelo estudo da origem das palavras e a nossa língua cabo-verdiana me trouxe e traz um campo fértil e "gostoso" de pesquisa (deveras transdisciplinar) nesse domínio.

A rigor, o "badiu" designa o camponês do interior da ilha de Santiago. Tanto mais que as expressões (antigas) "badiu di fora" (de fora da cidade), "badiu burro" (retratando o carácter campónio do iletrado indivíduo) e "badiu di pé ratchado" (indicando as gretas das ourelas dos descalços pés, próprias do contacto desses mesmos pés, com a lama pedregosa dos campos cultivados) reforçam a natureza campesina do mesmo. Hoje estas expressões não têm cabimento.

A vida difícil acabou por levar o "Badiu" a migrar para outras ilhas (sec. XIX e seguintes) onde os habitantes os identificavam como oriundos da ilha de Santiago, generalizando o termo a todos os habitantes dessa ilha, incluindo os da cidade da Praia. Estes, até aos anos setenta do século XX, sabiam que o termo "badiu" lhes servia para designar os que provinham do interior de Santiago.

Vejamos agora a explicação mais conhecida da origem do termo "badiu" que em língua portuguesa se diz "badio". NB: usarei doravante o termo português badio e sem aspas.

Premissa nº1: muitas palavras do cabo-verdiano com sílabas começadas pela letra b, provieram de palavras do português com sílabas começadas pela letra v : baca, bento, cabalo, balenti, bedjo, nobo, nabadja, nabega, coba, bruga, besgu, etc. O fenómeno linguístico em causa é conhecido por betacismo

Premissa nº2: muitos escravos conseguiam fugir e deambulavam pelas montanhas e vales recônditos de Santiago. Eram chamados de "negros fujões".

Construção da explicação da origem da palavra: Esses negros fujões passavam privações e se organizavam para vir assaltar as casas na cidade e roubar comida. "Lá vêm aqueles vadios, desgraçados, fogo neles!" exclamavam as autoridades portuguesas em face dessas ocorrências. E a palavra vadio foi rapidamente passada pelos cabo-verdianos, para badio.

Esta é a versão conhecida e que, a meu ver, "mete água" por todos os lados:
  • O betacismo não é tão presente assim, que possa ser generalizado. Há muitos mais casos de conservação do v na passagem do português para o cabo-verdiano, do que à primeira vista parece. Aliás, se vadio desse badio, então porque não diríamos badiachi em vez vadiachi, ou "forti bâdia, nha guenti!" em vez de "forti vâdia, nha guenti!"
  • A maioria dos termos em b de que falamos, transitou já com o b do linguarejar dos colonos portugueses de origem nortenha, que diziam (e dizem): binho, bamos, bentania, biola, etc. E não vejo nortenhos dizer "os badios são aqueles que andam a badear por aí"
  • Mal vejo os camponeses cabo-verdianos a interiorizar um termo que era depreciativo e até pejorativo.
  • Como poderiam vadiar os camponeses, se por o serem nestas ilhas, se tornavam forçosamente sedentários e não nómadas?
  • A maior parte dos defensores do badio proveniente de vadio, não são Badios! (infiram vocês o resto)
Agora vou contar-vos a cena que na minha juventude presenciei e que desde então me convenceu do quão verossímil seria uma outra explicação.

Assisti a um momento cultural no então Instituto Cabo-verdiano do Livro, nos finais da década de setenta (do século passado). Ali se encontravam alguns intelectuais cabo-verdianos, entre os quais Felix Monteiro. Este, no decorrer de um debate, apresentou a seguinte "tese" sobre uma outra origem do vocábulo badio:

Badio vem de baldio, tendo havido a queda da letra l.

A argumentação era a de que os camponeses (estamos já no século XVIII) que forneciam frescos à cidade, cultivavam-nos nos arrabaldes da mesma ou seja nos terrenos baldios, também designados apenas por baldios.

Frases como: "vamos à praça comprar as hortaliças dos baldios (terrenos)" eram interpretadas pelos demais como "...hortaliças dos Baldios (grupo de pessoas)

A transformação linguística subjacente (supressão de fonemas) é conhecida por Metaplasmo e no caso vertente, onde o som que desaparece está no meio da palavra é uma síncope.

Baldio passa a Baldio (com o a mudo), a Badio, e a Badiu

Esta é a versão que mais faz sentido, pois:
  • O significado de camponês de "fora" se coaduna com o do habitante dos baldios.
  • A transformação por síncope é mais natural do que a por betacismo
  • A conotação não é sentida pelos próprios como desprestigiante (logo facilmente adoptada pelos mesmos).
  • Identificar alguém como baldio (dos arrabaldes) é mais evidente (traje e função na sociedade) do que identificá-lo como vadio (negro fujão).
  • Os terrenos baldios estavam "na moda" no tempo do Marquês de Pombal e foram ao longo dos anos em Portugal, sempre objecto de política agrária, polémica e referências.
  • Os habitantes da cidade da Praia não se consideravam Badios!
Vou então deixar-vos reflectir sobre:

O absurdo do Badio porvir de Vadio
&
A lógica e o fazer sentido, do Badio porvir de Baldio

Só encontrei uma referência na Internet que fale da origem baldio; mas ela é em língua alemã. Ei-la aqui

domingo, 22 de junho de 2008

Genealogistas cabo-verdianos da actualidade


Meus caros, após uma semana, cá estou eu para me classificar como um "amante da Genealogia Social". Na realidade, esta paixão é um hobby que desenvolvo, mais na óptica do coleccionador do que na de um académico. Sinto-me congratulado quando descubro um novo parente ou, melhor ainda, quando um parente me descobre e envia dados e fotos para colocar na árvore www.barrosbrito.com. Aproveito também para nesse site ser o mais didáctico possível, colocando factos históricos e eventos dignos de nota, dos indivíduos que nele figuram. A colaboração de todos é bem-vinda.

Mas, a Genealogia académica cabo-verdiana, conta com um meticuloso e sofisticado investigador, o Dr. João Manuel Ferro Nobre de Oliveira, o autor de: A Imprensa Cabo-verdiana (1820-1975) (Edição da Fundação Macau - Direcção dos serviços de Educação e Juventude; Setembro de 1998, por ocasião da visita oficial a Cabo Verde do Governador de Macau, General Vasco Rocha Vieira. ISBN 972-658-017-X). Este historiador, está há bastantes anos a trabalhar na História das Famílias Cabo-verdianas, obra que dentro de um a dois anos dará à estampa e que todos nós ansiamos perdidamente. Oliveira tem tudo devidamente certificado e apoiado em fontes fidedignas.

Porém, muito mais social do que eu, está o Dr. Luís António dos Santos Júnior. Este grande genealogista, não só desenvolve na Internet, uma árvore genealógica (Hesperitanas) de todos os cabo-verdianos que tenham conexões de parentesco com parentes dele, Luís (mesmo que o não sejam dele parentes; ver a nota introdutória), mas também criou um Fórum de Discussão de Genealogia Hesperitana. Neste fórum, podem-se conjugar esforços e fazer especulações sobre eventuais laços de parentesco entre personagens do antigamente e de agora.

A ilha do Fogo tem sido o exemplo de cruzamentos consanguíneos e de famílias que se misturam e remisturam, para preservar a terra, para preservar o nome, para preservar "a raça", para ... Bem, o mais complicado é que os nomes completos se repetem na linhagem vertical (isto até é fácil de deslindar) mas também em linhagens paralelas de primos. O Dr. Adalberto António José Barbosa, desenvolveu um extraordinário trabalho genealógico publicado na Internet, em que poderemos navegar através das famílias: Barbosa, Henriques, Monteiro e Vasconcelos. Adalberto conseguiu trazer à luz, estes intrincados laços de parentesco, e vale a pena a consulta.

Há outras árvores cabo-verdianas na Internet, mas as duas que mencionei são-me bastante úteis, tanto mais que os autores são meus parentes.

Fica aqui o meu reconhecimento profundo a estes três genealogistas cabo-verdianos, pelo trabalho extraordinário que têm feito em prol da história das famílias destes dez grãozinhos de terra!


domingo, 15 de junho de 2008

Cinco caminhos genealógicos

Porque me interesso pela Genealogia? Além de mim, muita gente gostaria de o saber! Há quem até torne mais lata a pergunta: "porque é que pessoas se interessam pela Genealogia?"

Antes de responder, pus-me a observar os dados que tinha e tornou-se-me óbvio que há várias razões para que haja interesse nesse ramo do saber. Mais, as motivações e os objectivos são tão diversos que podemos mesmo agrupá-los em categorias diferentes e, curioso, até disjuntas: há quem faça genealogia por motivos diametralmente opostos e há quem o faça por razões que nada têm a ver umas com as outras (nem convergentes, nem divergentes)

Deste modo, acabei ao longo destes anos, por classificar em cinco tipos, as motivações e as pessoas atrás de um empreendimento genealógico. A classificação que se segue é puramente subjectiva e é o modo como "vejo a questão":
  1. Genealogia académica - Quando a Genealogia é encarada como uma ciência, ela é exercida de maneira assaz rigorosa, corroborada por fontes seguras e comprovadas e observando as regras da investigação científica próprias das ciências humanas. A Universidade do Minho, por exemplo, tem um ambicioso programa de investigação genealógica em curso. Pelo mundo fora, assistem-se a várias teses de doutoramento em Genealogia. Também há investigadores que fazem estudos genealógicos por moto próprio, com vista à publicação de obras e\ou artigos.
  2. Genealogia elitista - Independentemente do natural gosto pelo conhecimento dos seus antepassados, muitos fazem genealogia para que se sintam distintos dos demais. Também os há que por razões de "sangue azul" e políticas (monárquicos) associam-se a um outro ramo do saber (a Heráldica) para traçar ramos genealógicos aristocráticos e plenos de brasões. Porém, a Heráldica e a Genealogia de famílias reais, são componentes essenciais dos estudos académicos já mencionados.
  3. Genealogia religiosa - Muitas religiões se interessam pela Genealogia, principalmente as cristãs. E isto por razões diversas. No entanto a dos Mormons é a que mais me impressiona: estes constroem as árvores genealógicas do mundo inteiro, por acharem ser de sua responsabilidade a realização de "ordenanças de salvação" dos que morreram, com vista à redenção de suas almas (portadores do sacerdócio, realizam estas ordenanças em pessoas vivas da congregação, em favor das que tenham falecido sem as terem feito, a partir de dados provenientes da árvore pesquisada e estas têm a oportunidade de se redimir)
  4. Genealogia social - Chamo de genealogia social aquela a que muitos se dedicam por curiosidade. Saber que "fulano é meu parente" ou poder dizer que "... sou descendente directo do Marquês de Pombal!" ou mesmo o de honrar os antepassados, procurando conhecê-los. Ter um gráfico (árvore genealógica) emoldurado ou arquivado, da sua família ascendente é para muitos assaz importante. Muitas vezes se entra em clubes e associações de genealogia, ou se preenchem "softwares" de genealogia. Torna-se uma espécie de hobby
  5. Genealogia utilitária - Trata-se da prestação de serviços e do desenvolvimento comercial da Genealogia. Como se sabe, muita gente precisa de estudos genealógicos para provar a sua ascendência (processos de nacionalidade) ou para inserir em processos de herança. Outros gostariam de conhecer "avós perdidos" ou de saber de doenças hereditárias (incidência de câncer ou de diabetes) na família. Outros ainda queriam ter um estudo genealógico sobre a história de suas famílias e não sabendo fazê-lo, encomendam-no. Assim, encontramos genealogistas profissionais que vendem os seus serviços. A indústria de programas informáticos tem um sector genealogia, que naturalmente requer profissionais atentos.
Não me vou classificar agora, deixando aos meus leitores a oportunidade de me catalogar entre os grupos que mencionei. Voltarei na próxima semana para melhor ilustrar este assunto.

Recomendo agora a leitura dum sublime texto de Pedro Wilson Carrano Albuquerque, onde poderão conhecer as diversas utilidades da Genealogia e do interesse do seu estudo. Façam clique no link de Considerações sobre a Genealogia

domingo, 1 de junho de 2008

Baby Garda e baby Jorge comemoram o dia internacional da criança

Eis que regresso a Cabo Verde no dia internacional da criança, após uma ausência em férias, longe dos blogs e das TIC.

Peço porém desculpas aos meus leitores, porque não me foi possível publicar nos últimos Domingos qualquer artigo que fosse.

E para homenagear este dia da criança, preparei um diaporama da minha família nuclear com fotos de nossa infância. Ei-lo: