domingo, 31 de janeiro de 2010

Da magia de Bosco à magia de Schubert

Há dias mundiais para tudo e mais alguma coisa! Hoje, 31 de Janeiro, é o Dia mundial do Mágico e não resisto em evocar a paixão que sempre senti por esta arte, a do ilusionismo!

Em criança, tive o privilégio de assistir várias vezes aos espectáculos do, então famoso, Professor Cobrah. Este bondoso senhor, tinha o gosto de deleitar as crianças com a sua arte, não sendo porém essa a sua profissão. Se não estou em erro, ele era regente agrícola e pertencia à família Henriques, do Fogo. Um dos truques mais marcantes de Cobrah, era o dos lenços coloridos que fazia sair de um rolo de cartolina preta. O mágico fazia questão de nos provar que o cilindro negro era oco, podendo se ver através do canudo!

Naquele tempo, também havia um outro indivíduo aqui na Praia que fazia magia, mas era mais faquirismo que ilusionismo: tratava-se do " Barbosa", que se celebrizou por "comer vidro". Claro que isso de ver alguém comer vidro não me entusiasmava, preferia os truques que faziam puxar pela cabeça. À medida que crescia, tentava sempre aprender novos passes de mágica e aos 16 anos via-me eu a impressionar os colegas com truques os mais diversos. Livrei-me de alcunhas do tipo "Jojo magia", pois não eram truques de tuta-e-meia, nem os fazia por "dá cá aquela palha". Minha mulher chegou a confessar que os truques que me via fazer, tiveram influência positiva na opinião que de mim tinha, antes de lhe ter pedido namoro!

Quando fui para a universidade em França, adquiri vários livros de ilusionismo, e adorava ir a espectáculos de magia. Mais recentemente, seguia com atenção a série televisiva apresentada na SIC:

Os Segredos da Magia
Vejam um extracto:

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Há poucos anos, assisti em Lisboa, a um fantástico filme: "O Ilusionista". Eis a sinopse:
O famoso ilusionista Eisenheim assombra as plateias de Viena com seu impressionante espectáculo de mágica. Suas apresentações despertam a curiosidade de um dos mais poderosos e cépticos homens da Europa, o Príncipe Leopold. Certo de que as mágicas não passam de fraudes, Leopold vai ao show de Eisenheim disposto a desmascará-lo. Quando Sophie, noiva de Leopold, é chamada ao palco para participar de um número, ela reconhece em Eisenheim uma paixão juvenil. Eles iniciam um romance clandestino e o príncipe delega a um inspector de polícia a missão de expor a verdade por trás do trabalho do mágico. Este, no entanto, prepara-se para executar a maior de suas ilusões.
Apreciem a apresentação deste filme:

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Mas, porque se escolheu o dia 31 de Janeiro para o "Dia Mundial do Mágico"? É que é nesta data que se comemora o aniversário da morte (31 de Janeiro de 1888) do Santo padroeiro dos Mágicos: São João Bosco. Conta-se que, quando menino, ele ajudava a família trabalhando como acrobata, malabarista e mágico. Bosco é igualmente o fundador da Sociedade de São Francisco de Sales, mais conhecida por Salesianos. Bosco ajudou também a criar a congregação das Filhas de Maria Auxiliadora.

É caso para se dizer então AVÉ MARIA! e façamo-lo com esta famosa peça de Franz Peter Schubert, (nascido a 31 de Janeiro de 1797). Apreciem-na na inconfundível voz de Andrea Bocelli:


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domingo, 17 de janeiro de 2010

A.A.O. o anacoreta comunista entre o "grogo" de Santo e a aguardente do Diabo

Segundo reza a história, a 17 de Janeiro do ano 356, morria Santo Antão do Deserto, um monge nascido em 251, no Alto Egipto. A Igreja católica celebra este dia como o dia de Santo Antão. E foi assim que, quando em 17 de Janeiro de 1462 Diogo Afonso avistou a nossa ilha mais setentrional, atribuiu-lhe o nome de Santo Antão (veja aqui um apontamento interessante da Inforpress).

A leitura desse apontamento deixou-me curioso sobre a vida deste santo. Após um sobrevoo na Internet, fiquei a saber que o apelidavam ainda de: "o Eremita" ou, de "o Anacoreta". Palavra estranha esta última, que me fez lembrar um amigo, o embaixador português Eugénio Anacoreta Correia, além de me trazer à memória um solitário personagem, que muito me impressionou: António Augusto de Oliveira. Este senhor do Paúl, podia perfeitamente ser apelidado desse nome (anacoreta) se não fosse o facto de não ser nada religioso!

AAO, como assinava seu nome, possuía uma propriedade no verdejante vale do Paúl. Certa vez, acompanhei uma delegação de Professores universitários portugueses meus amigos a Santo Antão. Fomos levados à propriedade de António Oliveira, que nos recebeu muito bem e nos fez saborear um excelente grogo , debaixo de uma lendária árvore (uma amendoeira) que, contou-nos ele, pacientemente foi domando os ramos, de forma a constituir uma copa em redoma, onde os humanos pudessem disfrutar de sombra e de um espectáculo ímpar de cores e de raios de luz que dançavam por entre a folhagem e iluminavam amareladas folhas que sobre o solo jaziam.

Este então nonagenário senhor (o segundo a contar da esquerda, na fotografia ao lado) fez-nos saber que tinha sido militante do Partido Comunista Português e que o pai era um amante da botânica, tendo trazido para a ilha várias espécies vegetais, entre as quais uma variedade peculiar de cana-do-açúcar. Homem mui culto e de grande sabedoria, não deixou que lhe chamássemos de doutor, alegando não ter completado nenhum dos cursos em que se inscrevera.

Companheiro de Álvaro Cunhal e de Mário Dionísio (conhecido pintor neo-realista português), António Augusto de Oliveira sonhava poder vir a ser um conhecido pintor. É deveras interessante ler o que Mário Dionísio escreve na sua autobiografia, sobre três de seus amigos, entre os quais António Augusto:

Dos amigos que mais me acompanharam nesses anos difíceis, três havia que falavam muito de arte, particularmente de pintura. Eu ouvia-os, feliz. Fe­liz, via e revia os álbuns que me traziam para me ajudarem a dar menos pelo tempo, esses meses passando sobre os meses, os anos sobre os anos, radiografias, saídas periódicas para fazer o pneumo­tórax até quando? Via esses álbuns e sentia alguma coisa reacordar em mim.

Um dos tais três amigos desenhava muito bem, era o Álvaro Cunhal, e falava-me, com o espírito insinuante que era o seu, de museus da Europa, tantos museus!, tantos artistas! Käthe Kolwitz, uma paixão que partilhei com ele. E mandámos fa­zer seis grades a um carpinteiro meu conhecido, três para cada um, para esticar nelas telas, para pintar. Tê-las-á usado? Eu, sim. E mal. Outro, o Huertas Lobo, que faleceu há pouco, era filho de pintor, conhecia a história da arte do princípio pa­ra o fim e do fim para o princípio e ofereceu-me a caixa de óleos do pai, prova inestimável de amiza­de, o que fora do pai era sagrado para ele. O ter­ceiro, que queria ele próprio ser pintor, trouxe-me todas as suas tintas e não descansou enquanto não me viu servir-me delas. E curioso o respeito e a curiosidade (a secreta cupidez) que uma caixa de tintas me inspirava. Até o cheiro, que delícia! E a que ele me trazia, mais para eu ver, estava cheia de bisnagas de cores desconhecidas. Mas eram de­le, está claro, não me atrevia a tocar nelas. Chamava-se António Augusto de Oliveira (assinatura hieroglífica: 2 A A e um O) regressou à sua terra — Cabo Verde — a instâncias do pai, que o não via avançar no curso de Direito, onde em verdade nunca pusera os pés, e pouco mais soube dele se­não que não chegou a ser pintor. Mas era o mais teimoso. Vendo uma pequeníssima paisagem que eu ousara fazer com as tintas dele, disse-me, impa­ciente: «Deixe-se de diletantices, por favor. Pinte mesmo. A sério». Falava-me, encantado, de Gauguin (o que ele quereria ser, Cabo Verde, o inte­rior, um novo Taiti, eu bem o entendia) e de ou­tros autodidactas da aventura criadora. Chegava a ofender-se: «Está à espera de quê?»

Mas a teimosia de AAO, o engenho do mesmo em fazer curvar a amendoeira à sua maneira, as suas deambulações pela arte, pela política e pelo Direito, não podiam deixar de invocar nas minhas meninges a figura do " jornalista, editor, autor, maçon, filantropo, abolicionista, funcionário público, cientista, diplomata, inventor e xadrezista americano" que foi Benjamin Franklin. De facto, estar debaixo dessa frondosa árvore, seria um perigo em dia de trovoada! Daí a pensar no inventor do para-raios é apenas um passo.

Finalmente uma nota de apreço pela aguardente seleccionada com que nos brindou AAO, aguardente esta, que não era nem falsificada, nem conspurcada. Imagino o pai do AAO (Sr. Serafim, se bem me lembro) nos anos trinta, a produzir essa aguardente (de cana seleccionada) para sustentar o filho que , preferia fazer política e pintura, a seguir a trilha do Direito. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Al Capone vendia bebidas desta natureza às escondidas e sob um alto clima de violência, crime e repressão. Mil vezes este saboroso grogo dos Oliveira, bebido na tranquilidade do pacato vale do Paúl, do que a duvidosa aguardente do Alfonso, caríssima e impregnada de sangue!
  • Benjamin Franklin nasceu a 17 de Janeiro de 1706
  • Alphonsus Gabriel Capone nasceu a 17 de Janeiro de 1899
Se a Al Capone lhe tivessem dado o nome do santo festejado no dia em que nasceu, falar-se-ia nos USA da "maldita aguardente do Diabo Antão". Haveria no mundo, a aguardente de Santo Antão e a aguardente do Diabo Antão.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Stress, química e objectos oblongos

Acaba hoje o período de festas! Amanhã toca a iniciar as aulas e a ir ao trabalho. Deu para descansar? Duvido. Creio que as pessoas estiveram bem "stressadas". Minha mulher de tanto fazer bolos, viu seu colesterol aumentar. Diz ela que leu algures (será aqui?) ser o stress uma das causas do aumento do colesterol. Veio ela do mercado hoje, com duas dúzias de beringelas, alegando serem boas para o tal colesterol.

Esta roxa e oblonga fruta parece ser rica em muitas coisas, entre as quais a vitamina C e outras biomoléculas estranhas e especiais que só a biologia molecular saberia elucidar.

E o dia 3 de Janeiro, traz-me às minhas meninges, objectos oblongos, vitamina C e biologia molecular , na figura de Linus Pauling, o único cientista que ganhou sozinho, dois prémios Nobel (em menos de 9 anos).

Este paradigmático e transdisciplinar cientista, ganhou em 3 de Janeiro de 1954, o prémio Nobel da Química pelos seus trabalhos sobre a ligação química. Foi ele que engendrou a teoria das hibridações das orbitais atómicas. Pauling tornou-se também num fervoroso adepto da vitamina C, tendo feito vários estudos sobre esta vitamina e publicado um livro intitulado "Vitamin C and the Common Cold". Sabe-se também que a vitamina C alivia a resposta do corpo ao stress.

Mas o stress e os objectos oblongos estão ainda na minha mente, associados a outros momentos e circunstâncias. Vou vos contar uma pequena história que presenciei:

Um belo dia, vinha eu tranquilamente a passar junto a um parque da nossa cidade, quando deparei com dois petizes dos seus 10 anos, a discutir frenética e nervosamente (com bastante stress), atirando frases insultuosas um ao outro, à guisa de "quen qui ta côba más fédi". Às tantas o que parecia mais novo, olha para a cabeça rapada à escovinha do mais alto, cabeça esta que tinha a forma de um seixo (essas pedras roliças do mar) e desferra: "Cabéça sima pedra di limpa cadêra!"

Logo me ocorreram outras versões deste analógico insulto:
  • "cabéça sima simenti mángui"
  • "cabéça sima zipilin" (esta mais antiga, proveniente do evento a seguir evocado)
Mais uma vez, a propósito de coisas oblongas relacionadas com o stress, eis que o Zeppelin se mostra um interessante exemplo. Não é que recebo hoje por e-mail uma extraordinária foto do LZ127 Graf Zeppelin aquando da sua passagem a 21 de Maio de 1930 pela cidade da Praia, a caminho de Rio de Janeiro! Vejam ao lado, a foto que me foi enviada pelo meu dileto primo, Carlos Alberto Mascarenhas Loff FONSECA.

De facto o Zeppelim era bastante perigoso, pois continha hidrogénio, um gás bem combustível. Ficou célebre o incêndio do dirigível Hindenburg em 6 de maio de 1937.

Vejamos no entanto o resto da viagem do Zeppelim que pela Praia passou:


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