domingo, 30 de novembro de 2008

Fernando Pessoa me persegue

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"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis"
Fernando Pessoa

Mas eu tenho um objecto que começa por contrariar este fantástico pensamento de Fernando Pessoa: é um boneco que, caricaturando ... Fernando Pessoa, segura por intermédio de um íman, um abridor-de-garrafas metálico em forma de guitarra. E daí? perguntam vocês! É que ele me foi oferecido há mais de trinta anos pela minha mulher (então namorada) e nunca se extraviou. Além disso, sob o sacrifício da então estudante que gastara todas as suas economias para comprar esta que foi a sua primeira prenda para mim, o boneco (já velhinho e sem chapéu) adquire um valor crescente à medida que os anos passam, como símbolo de ...agora sim..."momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis". (vejam aqui, outros pensamentos de Pessoa)

Nestes dois últimos dias, o boneco tem trabalhado imenso, pois minha mulher fez anos e muitas cervejas e gasosas foram vítimas da famosa guitarra metálica. E vítima também fui eu, das cervejas que bebi, pois cada uma delas tinha o dobro dos hidratos de carbono permitidos diariamente pela dieta Atkins, que retomara na semana anterior. Resultado: ganhei um quilo e meio em dois dias. Já lá vão os dois dígitos de que há um ano me orgulhava de ter atingido! Se não tomar providências, voltarei aos absurdos 116Kg que tinha em 2003.

Para me meter medo, fui então olhar as fotografias de 2003. E ... qual perseguição de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, ou que raio que o homem se chama, me surge esta foto que ao lado vos apresento. Pessoa tinha tantos heterónimos que a sua própria identidade acabava por passar despercebida, levando até a que fosse chamado por sua namorada Ophélia Queiroz de "Ferdinand Personne" para ironizar que ele era um "Fernando Ninguém"!

É pena que não hajam heterónimos que para além da personalidade mudassem também a silhueta. Adoptá-los-ia imediatamente. Certo que gosto de heterónimos (tenho dois), são mais úteis que os pseudónimos, sobretudo quando os usamos através da insegura Internet.

Será que usar heterónimos dar-nos-ia maior segurança na Internet? Vejam que para isso teríamos que mudar completamente a nossa personalidade para não "dar bandeira". Era preciso ter uma grande imaginação e um manancial de criatividade. Ser um "fora de série" como o foi Fernando António Pessoa, aquele que por ter nascido (há 120 anos) no dia de Sto António (ou Fernando de Bulhões) herdou no seu nome os dois desse santo.

"Fora de série" é o livro de Malcolm Gladwell que um outro "pessoa": Mário Persona, nos apresenta no seu artigo e vídeo Youtube, widescreen e pensamento bi-hemisférico. Nesse paradigmático artigo, digno de ser inserido no blog TransdisciplinarCV, Mário Persona nos fala precisamente do uso da imaginação e da criatividade, indo ao ponto de no seu TVbarbante dialogar consigo próprio, criando dois "mário personas", uma espécie de clones heterónimos. E ainda ele liga isso tudo às tecnologias da comunicação.



Agora vou vos apresentar as coincidências deste dia 30 de Novembro, subjacentes neste artigo:
  1. 73º Aniversário do falecimento de Fernando Pessoa (30-11-1935)
  2. 30 de Novembro é o Dia Internacional da Segurança em Informática (o Computer Security Day) e começou a ser comemorado há vinte anos,
  3. Ter tropeçado em Pessoa (boneco, fotografia e Persona)
  4. Persona (Mário) falar de criatividade, fora-de-séries, uso de dois "ele mesmo" para potenciar o poder das TIC



domingo, 23 de novembro de 2008

Recordemos o Orfeão da Praia

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Eis que das cinzas poderá renascer, qual Fénix, o Orfeão Clube Juvenil da Praia, ou "Orfeão do padre Eutrópio".

No ano de 1974, o do 25 de Abril, brilhava no chão deste Cabo Verde, um grupo juvenil e recreativo que tinha um coro a quatro vozes, mais conhecido pelo nome de Orfeão da Praia.

Eu fazia parte embora nunca me tivesse convencido saber cantar. Lá me atiraram para a 3ª voz. Bem, após vários ensaios creio que a dezena de árias que aprendemos me deixou suficientemente condicionado, para um desempenho que não causasse danos ao grupo.

Éramos já famosos e após alguns concertos (e consertos) na Praia, fomos convidados a fazer uma aparição no Éden Park em São Vicente. Para lá embarcamos num barco de guerra e durante a viagem, muitos friccionaram suas cordas vocais com líquidos e sólidos que por perto circulavam em ambos os sentidos.

As peripécias que no Mindelo passámos, davam para escrever um livro. Porém a nossa actuação foi longamente aplaudida, diria mesmo ovacionada.

Veio a Independência e muitos de nós partimos em estudos pelo mundo fora. O Orfeão ainda aguentou um pouco, mas acabou por se desfazer, deixando um lugar doirado nos nossos corações e umas saudades latentes que de vez em quando afloravam para nos fazer emocionar.

Foi num surto mais violento destes afloramentos, que um de seus membros, teve a feliz ideia e iniciativa de, após 33 anos, fazer com que muitos de nós nos encontrássemos num pic-nic nostálgico para reavivar esses velhos tempos.

Foi assim que nos encontrámos neste fim-de-semana na Cidade Velha e não resistimos em entoar algumas das canções, mornas e árias mais vibrantes de nosso reportório. Embora sem ensaios, com cordas vocais afectadas pelos anos e sem o equilíbrio das quatro vozes, não foi nada mau o que dali saiu:
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Divirtam-se e apreciem aqui, uma montagem a quatro vozes e com muita imaginação.

domingo, 16 de novembro de 2008

Tolerância, Comunismo e Eu

Neste Dia Internacional da Tolerância, deparamos com efemérides de diversos eventos, momentos e pessoas, ligados ao comunismo. Eis alguns exemplos (desta fonte):
  • 1917 - Uma vez vitoriosa em Petrogrado, a revolução russa estende-se rapidamente a todo o país.
  • 1918 - O Império Austro-Húngaro é oficialmente dissolvido e é proclamada a República Democrática Húngara.
  • 1920 - Fim da guerra civil russa: as forças do general Wrangel são derrotadas pelo Exército Vermelho liderado por Leon Trotski.
  • 1922 - Nasce José Saramago, escritor português, prêmio Nobel de Literatura.
  • 1933 - Os Estados Unidos reconhecem oficialmente a URSS.
  • 1965 - A espaçonave Vênus III, lançada pela União Soviética, atinge seu destino, tornando-se a primeira a aterrissar em outro planeta.
  • 1992 - O Partido Democrata Trabalhista, formado por ex-comunistas, vence as eleições na Rússia na primeira disputa depois do fim da União Soviética.
  • 1997 - Morre George Marchais, Secretário Geral do Partido Comunista francês.
Em face disto tudo, não posso deixar de comentar quatro pontos que para mim foram e são marcantes. As condições que impus a este blog não me permitem fazer comentários jornalísticos que não estejam de alguma maneira ligados a aspectos da minha vivência (biográficos). Por isso, isolarei o seguinte:
  1. Tolerância - a primeira vez que me coube reflectir sobre o significado deste vocábulo, foi durante o módulo de Etnologia ministrado no curso do círculo de estudos ultramarinos, já por mim evocado em outro artigo. Esse módulo foi magistralmente conduzido por um sociólogo português de nome Celso João Albuquerque e marcou-me pelo carácter desmistificador sobre ideias preconcebidas a respeito de outros povos e culturas (veja-se o que nos fora dado a conhecer por exemplo sobre as teorias do Prof. Hans Mukarovsky). Contudo, só muito mais tarde, em França, ouvi um colega insurgir-se sobre a palavra tolerância. Dizia ele que quem se diz tolerante, coloca-se em posição de superioridade em relação ao "tolerado"; argumenta ele inquirindo se o tolerante admitiria que um filho seu dissesse: "Papá, eu te tolero quando achas que não devo usar calças de ganga ...". Remata meu amigo que tolerância devia ser substituída por respeito.
  2. Hungria - Em Junho de 1999, tive o privilégio de participar na Conferência mundial sobre Ciência e Tecnologia que se desenrolou em Budapeste. Doravante a cidade de Budapeste, o Danúbio, a Hungria, sua história e sua gastronomia, ficaram indelevelmente marcados na minha memória. De facto, comer um Gulasch ao som de violinos ciganos e a conversar com o então ministro da Ciência e Tecnologia de Portugal, Prof. Mariano Gago, é um momento deveras inolvidável.
  3. Saramago - Não me posso esquecer da 1ª cerimónia de atribuição do grau de Doutor Honoris Causa que assisti. Foi ao insigne escritor, outrora militante do PC e prémio Nobel, José Saramago. A Universidade em questão foi a de Évora. Guardo com carinho um de seus livros, "Evangelho segundo Jesus Cristo", que gentilmente consentiu autografar. A vida e obra deste vulto da literatura lusófona é algo paradigmático e merece ser considerada. Vejamos no entanto parte de uma entrevista consentida à Globo:

  1. Georges Marchais - Para quem viveu em França de 1975 a 1981, é incontornável não esbarrar com esta inpressionante figura que foi o Secretário Geral do Partido Comunista Francês. Nessa altura as minhas convicções pendiam francamente para a esquerda e era um fervoroso adepto deste carismático estadista. Não perdia nenhuma emissão das "Cartes sur Table" de Jean-Pierre Elkabbach e Alain Duhamel, onde Marchais fosse convidado. Eram proverbiais as suas saídas intempestivas e ficou célebre a frase, à guisa da do rei de Espanha,"Taisez-vous, Elkabbach !" que lhe é atribuída. Não há registo porém dessa frase, sendo isto o que mais se lhe assemelha:
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Ao que parece, o humorista francês Tierry le Luron, nas suas impagáveis imitações de Marchais, ter-lhe-á "colado" a frase. Vejamos uma das imitações de Tierry:

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domingo, 2 de novembro de 2008

O Pastis 51 do aniversariante e um perroquet bem doseado

No passado dia 30 de Outubro completei 51 anos de idade e fiz questão de os comemorar com um copo de Pastis 51. Mas porque será que me deu na tola, fazê-lo desta maneira? Eis algumas razões:
  • O simbolismo do acto, uma vez que esta bebida ostenta no nome o nº 51 que é o nº de anos que se comemora.
  • Trata-se de uma bebida que me agrada bastante e que me acompanhou ao longo dos anos que vivi no Sul da França e no ano que passei no Senegal.
  • Permitir uma foto elucidativa deste momento singular
  • Dá azo a evocar neste blog algumas recordações e momentos interessantes
Em 1976, o Pastis foi-me apresentado pela primeira vez por emigrantes cabo-verdianos que viviam em Frejus, uma cidade entre Saint-Tropez e Nice (onde era então estudante). Impressionou-me ver a mudança de cor da bebida ao se lhe juntarmos água. Ela passa de um castanho alourado e transparente, para um branco-sujo leitoso e turvo (darei as explicações científicas para este fenómeno no CVquímica).

Aos poucos fui-me habituando a essa água de "esfregadura" como lhe chamavam as nossas colegas cabo-verdianas que nunca aceitaram sequer provar esta famosa bebida, tão popular no Sul de França. NB: "esfregadura" é o nome informal cabo-verdiano para a água de sabão suja que sobra da lavagem de roupas.

Podem encontrar aqui a história desta bebida, cuja fórmula actual foi criada por Paul RICARD em 1932. A antiga fórmula foi inventada por Henri Louis Pernod mas tendo 72º alcoólicos acabou por ser proibida em 1915. O pastis de Ricard foi proibido em 1940. A interdição sobre as bebidas anisadas foi levantada em 1951 e a família Pernod cria o Pernod 51, percursor do Pastis 51.

No terceiro ano do curso de Química para a Investigação, que perseguia em Nice, deparei com questões diversas ligadas ao pastis. Foi muito interessante discutir sobre as metodologias de discernir o verdadeiro Pastis do falsificado, as técnicas do fabrico do Anetole, a substância que dá o gosto anisado ao pastis e as substâncias derivadas desse éster sendo algumas delas psicotrópicos severos (falarei disso no CVquímica).


Termino com uma receita do perroquet uma bebida simples que junta dois apreciados líquidos franceses: o sirop de menthe e o pastis:

Verta num copo longo (os para gin tonic) uma medida de pastis e adicione uma colher de sopa de xarope de mentol. Adicione 4 medidas de água mineral (a proporção de um bom pastis é a de 4 de água por um de pastis). Dois cubos de gelo, agitar e ... à vossa saúde!