domingo, 24 de outubro de 2010

Recebi pragas dum fantasma das chuvas!

Pois é! Até apetece amaldiçoar a chuva, que por ter estado três dias sem parar (a foto ao lado é elucidativa - clique nela para saber quem é seu autor), fez vários estragos no meu jardim interior. A título de exemplo: o grande ninho em aglomerado de madeira pintado, inchou de água, tornou-se pesado e despencou da parede, matando três passarinhos e esborrachando vários ovos. Estive todo dia a refazer a estética do aviário e a imaginar que criatura inteligente me teria rogado esta praga. Inteligente, porque "praga'l burro ca ta súbi céu!"

Aí que descobri, que a maldita pessoa foi a Dona Emília Savana da Silva Borba, conhecida como Emilinha Borba, por eu não ter tido a gentileza de lhe fazer no último artigo deste blog, a "efemérida" homenagem por ocasião do V aniversário de seu falecimento (a 3 de Outubro de 2005). Foi ela sim, que voltou a cantar (só para me arreliar) a sua famosa "Tomara que chova...três dias sem parar!" Oiçam-na:
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Esta cena foi tirada de um excelente filme brasileiro do tipo "chanchada" que foi o Aviso aos Navegantes.

A história se passa num luxuoso navio, onde uma companhia teatral brasileira, com Eliana e Adelaide Chiozzo, está retornando ao Brasil depois de apresentações em Buenos Aires. Na embarcação também está um príncipe que se apaixona por Eliana, mas ela só tem olhos para o imediato do navio. Oscarito, camareiro de Eliana, embarca clandestinamente no mesmo navio, onde é descoberto pelo cozinheiro da embarcação, surge entre os dois a relação de amor e ódio, cheia de implicância. A bordo há também um perigoso espião internacional, que precisa ser detido antes que todos cheguem ao Rio de Janeiro.

Este filme era muito cómico, e cada vez que vinha ao cinema da Praia era lotação esgotada. Eu vi-o umas três vezes. Suas canções são inesquecíveis, como o "Bate o Bombo Sinfrônio" e a do "Neném". Esta, interpretada por Oscarito, é impagável:
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Mas para mim, chegara a "hora de papar". Lá subi as escadas do quintal para lanchar. Mas ... a praga não tinha acabado (esta é a 2ª), adoro manteiga e esta já tinha acabado! Fiquei com as fatias de pão a abanar no ar (como o fazia Oscarito com a chupeta) e minha mulher sugere: "põe manteiga planta!". Nem pensar! riposto eu esclarecendo: "e já estou farto de dizer que planta não é manteiga  mas sim margarina!". Continuei a lição sobre os lípidos, mas já ninguém me ouvia. "Raios! quem terá inventado a maldita margarina?!" - Resposta: "Hippolyte Mège-Mouriés (Draguignan, 24 de Outubro de 1817 - Paris, 31 de Maio de 1880) foi um químico francês a quem se atribui a invenção da margarina"

Deixei para lá o pão e sentei-me a preencher o formulário de pedido de renovação de bilhete de identidade, pois ele expirou hoje! (3ª praga?, uma por cada dia de chuva). Junto à papelada que mandara buscar, vinha o substrato do próprio bilhete. De qualquer maneira, teria de ir entregar a papelada pessoalmente, pois teriam de "ver-me a assinar!" e teria de molhar o dedo na tinta para colocar a minha impressão digital nos locais apropriados. Lembrei-me logo da recente viagem aos USA, onde à entrada é obrigatório colocar os dez dedos da mão (às vezes 8) sobre uma placa de vidro, para que  com um "scanner", se faça a identificação do sujeito (sem tintas). Acho obsoleto, esta coisa da impressão digital a tinta no BI.


Em muitos países há muito que não se usam bilhetes de identificação com impressões digitais. Vontade de protestar! Mas acedi a esta exigência, tal como o fez o pai das medidas antropométricas na investigação policial, Alphonse Bertillon,  há precisamente 108 anos. Com efeito, este opositor à dactiloscopia,  acabou por utilizar as impressões digitais no dia 24 de Outubro de 1902 para reunir provas contra Henri Léon Scheffer , no decorrer de um inquérito judicial. Este facto tornou-se histórico. Por isso, é com muito gosto que coloco o dedo na tinta, neste dia memorável para a criminologia [um outro Alphonse foi  também histórico  num dia 24 de Outubro (de 1931) ao ser sentenciado a 11 anos de cadeia: Al Capone].

Deixo-vos agora com um clipe sobre Alphonse Bertillon, o "Pai da Polícia Científica":
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domingo, 3 de outubro de 2010

Cândido dos Reis, o Romeu da República Portuguêsa

Estamos no Outono, estação dos climas temperados e sem significado para o sistema climático cabo-verdiano. No entanto, quando criança (em plena era colonial) estudávamos as quatro estações do ano, como se fosse essa a nossa realidade. As folhas caídas e amareladas das árvores, eram para nós, fruto da imaginação. As únicas "coisas amarelas" de que me lembro caírem das árvores, eram umas vagens secas de uma espécie arbórea existente na Rua Cândido dos Reis e com as quais a criançada se deleitava a fazer "ventoinhas" cruzando duas dessas vagens sobre a extremidade de um pau de carriço e fixando-as com um pequeno prego, tendo filtros de cigarros como anilhas amortecedoras.

A Rua Cândido dos Reis da cidade da Praia traz-me sempre boas recordações de infância. As citadas árvores, quando floridas, emanavam um aroma tão suave e perfumado, que me faziam, então, insistir com meus pais a passar sistematicamente por esta rua, quando passeávamos de carro pela cidade. Nessa ocasião o passeio era curto pois poucas ruas tinha a Praia. Minha mãe, de quem herdei a mania dos purismos e das precisões, esclarecia sempre que passávamos pela rua paralela à Cândido dos Reis, a "Rua d' Horta", que esta não se chamava assim, mas sim Miguel Bombarda! e acrescentava logo que a Cândido dos Reis era também "Almirante Reis" e não Cândido dos Reis. 

Estas duas ruas gémeas (não idênticas porém) vão ambas desembocar na rua da "Igreja Protestante", a dos Nazarenos, naquela ocasião denominada Rua 5 de Outubro, da qual descia também a Rua da República. Parece que a toponímia de então, insistia  no ideal republicano. Os ilustres homenageados, foram os principais promotores do movimento que se iniciava há 100 anos, a 3 de Outubro de 1910 e que conduzia à proclamação da República Portuguesa a 5 de Outubro de 1910. 

Irónicamente, estes dois amigos e companheiros, não assistiram à citada proclamação por que tanto lutaram. O Dr. Bombarda, médico, foi assassinado a 3 de Outubro desse ano, por um doente mental do Hospital de Rilhafoles e Cândido dos Reis, ao saber disso e das notícias de denúncia do golpe, pensou estar tudo perdido e matou-se (a 4 de Outubro). Triste história deste herói de origem cabo-verdiana, que me faz lembrar o final de Romeu e Julieta onde Romeu se mata pensando que Julieta estivesse morta.

A origem cabo-verdiana de Carlos Cândido dos Reis, é descrita pelo conhecido genealogista cabo-verdiano, João Manuel Oliveira, nestes termos:
"A mãe é que era da Brava. Carlos Cândido dos Reis, (sob reservas ), filho de Matilde de Azevedo, mais conhecido por Almirante Reis por causa da avenida lisboeta que leva o seu nome. Embora todos saibam o seu nome poucos sabem quem foi, facto que o escritor Luís de Stau Monteiro põe na boca de um personagem do romance Angústia Para o Jantar, (p. 18): “Quem teria sido o Almirante Reis? Que teria ele descoberto? A pólvora? Se calhar descobriu a pólvora e não disse nada a ninguém”. Nasc. a 16 de Janeiro de 1852, nat. de Lisboa, (segundo outros teria nascido em Cabo Verde, sendo baptizado em Lisboa)."
Ambos foram enterrados no mesmo dia e tiveram um funeral conjunto. Quer um quer outro, eram declarados anticlericais. De notar que ser anticlerical, não significa que se seja agnóstico ou ateu:
"O anticlericalismo propugna pela separação e não interferência entre as esferas do poder religioso e do civil. O activista anticlerical critica a acção política das instituições religiosas."  [tirado daqui]
A propósito de liberdade religiosa e separação da Igreja do Estado, acontece que neste momento, encontro-me em Provo, nos Estados Unidos, a participar no 17º Simpósio Internacional sobre Lei e Religião, a convite da Brigham Young University, universidade ligada à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (os Mormons).

Hoje, Domingo, participei na Conferência Anual da citada igreja, evento grandioso realizado em Salt Lake City num auditório de 21 mil lugares e acompanhado pelo celebérrimo Coro do Tabernáculo Mórmon.

Deixo-vos com um vídeo deste coro:

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