domingo, 27 de abril de 2008

Rua "Sala Bandera": a sala de visitas desta Praya de 30 citadinos lustros

Antes de mais, (além de D. Pedro V que se casara neste dia) queria dar os parabéns a três heróis nascidos a 29 de Abril:
  • À Cidade da Praia, pela sua tenacidade e vigor
  • À falecida cidadã da Praia, Elsa Azevedo pela coragem e fé
  • Ao Comandante Pedro Pires, nosso Presidente da República e Combatente da Pátria
Posto isto, estamos todos carecas de saber que no dia 29 de Abril se comemoram os 30 lustros (150 anos) desta cidade ainda com pouco lustro. Por isso não vou armar-me em carapau de corrida, comentando os altos e baixos desta minha mui querida cidade, tanto mais que a razão de ter engordado, não tem nada a ver com a dos que a governam, ou com a dos que pretendem fazê-lo. Vou mas é evocar algumas recordações:

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Recordo-me sim, de ter brincado numa praça Alexandre Albuquerque cheia de flores, húmidos canteiros verdes com minhocas e sapos, vendedeiras de doces de leite (Nha Laia e Nha Ida), guarda coxo e zarolho de vara em riste (Nhu Pedro), "musgueros" no coreto e crianças brincando à roda ou ao "soldado, cabo, furriel...", jovens indo e vindo a passear no passeio cimentado que dava para a rua principal da cidade (já vou falar dela) e outros que faziam a circunvolução da praça pelo passeio interior. Ás 20h em ponto, todos se punham em sentido com o hino nacional português que troava pelos altifalantes do Rádio-Club. Logo que os altifalantes se calavam, corria eu para casa jantar (ai de mim se não o fizesse!)

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Recordo-me sim, que quando comecei a fazer colecção de selos, tinha muito orgulho em mostrar o meu álbum favorito, o de Cabo Verde. Todas as vezes que o mostrava à minha mãe, esta (funcionária dos CTT) atardava-se na página que vos apresento ao lado, e apontava com ar triste, para os selos comemorativos do centésimo aniversário da elevação da Praia a cidade, contando que a degradação do estado de saúde de minha tia e madrinha Alice, era motivado por esta ter dado muito de si aquando das citadas comemorações. Alice era professora primária e estava envolvida na organização duma grande quermesse que teria lugar por ocasião desse centenário. Ficava altas horas pela noite dentro a recortar papéis de seda e de lustro, a fazer colagens, cartazes e outras coisas, sob uma luz fraca e tremida.

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Nesse tempo, antes da Independência, a rua principal da cidade era a Rua Sá da Bandeira. Rua do Banco Nacional Ultramarino, da Casa do Leão, da Farmácia Leão, do Cachito, da Adega do Leão, da Serbam, do Antoninho Mujota, das Galerias Praia, do "Pilorinho", da casa di Nhu Pipi, da Dona Celina, do Parque Automóvel, da casa di Nhu Bispo!

Lendo as crónicas de Carla Amante da Rosa e tendo visto o filme "A Ilha dos Escravos", não se poderia deixar de dar valor ao homem que num único dia, decretou a abolição da escravatura em Cabo Verde, fez subir Mindelo à categoria de vila e deu à Praia a dignidade de cidade: Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, o então Visconde de Sá da Bandeira.

Bem merecido o nome dessa rua principal, o de Sá da Bandeira. Porém, veio a Independência e os revolucionários combatentes da pátria, trataram logo de volatilizar todos os vestígios dos heróis portugueses e substituir os nomes das ruas, por outros nomes mais consentâneos com a Revolução e com a África. Assim, Sá da Bandeira teve de ceder seu nome a favor do de Amílcar Cabral e a rua foi promovida a Avenida!

Mais tarde, quando chegou a 2ª República, os novos governantes restituíram os nomes das ruas aos ilustres que durante décadas, tinham seus nomes nas placas toponímicas. Mas.... quem ousaria retirar o de Amílcar Cabral das placas da "Rua Sala Bandera", como ainda os mais velhos a chamam?

Assim, ficamos sem a justa homenagem a esse corajoso e digno estadista!

Por isso, proponho, que nesta comemoração dos 150 anos da cidade da Praia, se dê o nome de Sá da Bandeira a uma de suas ruas!

A rua que proponho, antigamente rua Brandão de Melo, fica próxima da zona onde escravos apanhavam água, a "Aguada da Praya" - local mais tarde conhecido por "quintal di burro" (ver gravura do lado esquerdo). Razões da proposta: a proximidade evocada do local que lembra a abolição da escravatura, a existência antiga dessa rua, o ser paralela à antiga Rua Sá da Bandeira e ao facto de poucos conhecerem seu nome actual. Vejam o GoogleMap à direita e o diaporama que se segue:


A Ilha dos Escravos e EU

Tive o privilégio de assistir a duas horas de exibição (após duas outras de contratempos com as máquinas e os leitores de DVD que teimavam em disfuncionar) de um excelente filme realizado por Francisco Manso, conhecido realizador português. Falo de "A Ilha dos Escravos". A sessão contou com a presença do actor Milton Gonçalves, o "Tesoura" da trama, que durante as interrupções, nos brindou com seu bom humor e sábias observações.

Este filme gerou bastante expectativas na comunidade cabo-verdiana e sua ante-estreia sobejamente anunciada na blogosfera. Diversas razões podem ser evocadas para justificar tais expectativas, mas eu pessoalmente ansiava por vê-lo, sempre com a vã esperança de poder assistir à eventual cena do julgamento dos insurrectos. Eis um estrato da sinopse:
O filme decorre em Cabo Verde (na ilha de Santiago), durante a primeira metade do século 19, com breves segmentos de extensão a Lisboa e Viena de Áustria e flashbacks, centrados na ilha de Santo Antão e em Salvador, na Baía, pelos fins do século 18.

O levantamento de tropas, na Cidade da Praia, instigado por oficiais desterrados para o arquipélago, em consequência da derrota dos partidários do infante D. Miguel, na guerra civil portuguesa, é o núcleo histórico do filme. Os rebeldes, contrariando as suas próprias convicções anti-liberais, tentaram aliciar para o seu campo a população escrava, à falta de outros meios humanos que lhes corporizem os desígnios.

Conspiração político-militar por um lado, insurreição de escravos por outro, ambas associadas, mas só transitoriamente convergentes, e a mistura não podia ser senão explosiva. Se o núcleo histórico do filme é abertamente conflituoso, o núcleo dramático não o é menos, com uma tecitura melodramática, que nos remete, em pleno, para o período romântico, em que a acção decorre.
E daí? dir-me-ão vós. É que o representante do Ministério Público nessa altura e neste caso, foi João José António Frederico, ilustre personagem que veio a merecer honras de menção e retrato na prestigiada Enciclopédia Luso Brasileira de 1940. Continuam certamente a não entender a minha curiosidade. Têm razão, ainda não vos dissera que este homem de quatro nomes próprios no seu nome, era nada mais nada menos que meu pentavô!
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A actuação de JJA Frederico é digna de nota, pois insurgira-se contra a forma ilegal como os cabecilhas da rebelião foram fuzilados e obteve ganho de causa junto da rainha que destituiu em consequência o Governador intransigente. Faça clique no texto ao lado para ampliá-lo e poder melhor se inteirar da questão em apreço.

domingo, 20 de abril de 2008

Acácia Americana - a árvore entre a asma e um sublime mel de abelha

Prosopis Juliflora - como me posso esquecer deste nome?... se em pelo menos seis circunstâncias este nome foi esculpido na argamassa de meu encéfalo. Ei-las:
  1. Comecei a coleccionar folhas entre páginas de livros grossos e tenho um olfacto apurado.
  2. Participei nas primeiras plantações de árvores em Cabo Verde, após a independência.
  3. Doutorei-me no Arizona, adoro grelhados (barbecues) e aprecio mel de abelha.
  4. Tenho António Advino Sabino entre meus melhores amigos e o meu PhD é em Ciências do Solo e da Água.
  5. Escrevi 50% do Relatório de Cabo Verde à Conferência sobre o Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92
  6. Via (e vejo) a praça Alexandre Albuquerque das janelas de minha casa, sofria de bronquite asmática em criança e tenho um filho alérgico a pólen.
Cada um destes pontos dá para escrever uma longa crónica. Tenham então a paciência de ler estas mais reduzidas crónicas que se seguem:
  1. Como já tive a ocasião de vos deixar saber, na minha puberdade e adolescência adorava conviver com a Natureza e fazia colecções de insectos (com um anexo de borboletas), rochas, conchas e folhas de plantas que prensava entre as páginas de velhos e grossos livros de contabilidade do meu avô materno, comerciante falecido em 1948. A Praia-Negra e a encosta debaixo do Hospital, eram meus lugares habituais de recolha das mais diversas amostras. A referida encosta era atapetada de Jatropha Curcas, o Pinhão Manso brasileiro que em Cabo Verde responde pelo nome de Purgueira; em poucos anos a acácia americana (a tal Prosopis Juliflora) substituiu a purgueira e acabei por tentar prensar as folhas e flores dessa acácia entre as tais páginas de contabilidade. Foi nesta tentativa de prensar as folhas da acácia, que o meu olfacto apurado discerniu um odor vagamente familiar que reportei porvir da seiva das folhas em questão. Poucos dias depois, um amigo mais velho transfigurou-se, passando de um cenho franzido (ao cheirar as folhas esfareladas que eu lhe estendia entre os dedos) a um rasgado sorriso, proferindo entre gargalhadas: "Queli... tâ tchera só cabxxxxx!" e cheirava mesmo a sémen humano fresco! Foi a primeira marca indelével da Prosopis na minha mente.
  2. Após a Independência de Cabo Verde, em 1975, o Governo defrontou-se logo com um problema candente: Energia! o Mundo sofria ainda dos efeitos do "crash" petrolífero de 1973 e o humilde camponês cabo-verdiano cozinhava cachupa com lenha (esta representava mais de 80% do combustível rural). A FAO aconselhou o Governo a desencadear uma vasta campanha de florestação tendo financiado conjuntamente com a cooperação belga, a introdução maciça da acácia americana. Esta não só era resistente à seca, como também, em menos de 3 anos, iria produzir bastante lenha e vagens para as cabras e demais alimárias. E sendo assim, lá estou eu a participar nestas campanhas de florestação com saquetas de Julifloras entre as mãos! (2ª punção cerebral).
  3. Ao chegar a Tucson para estudar na Universidade do Arizona, reparei que ali também havia nas ruas uma planta muito semelhante à nossa Prosopis Juliflora. Chamavam-na de Mesquite e diziam que dava um carvão formidável para os famosos barbecue. Mais tarde vim a saber, que o mel das abelhas que sugavam o néctar das flores dessa árvore, era considerado pelos entendidos, como um mel monofloral classificado entre os melhores do mundo. Quando usei o carvão de Mesquite (mais caro) e experimentei o não menos caro "Arizona mesquite honey", adoptei-os e assim a Prosopis Juliflora Velutina (a espécie do Arizona) foi a 3ª marca indelével da acácia nas minhas memórias.
  4. Tinha então a acácia americana em muito boa conta e podia-se até dizer que era um fã deste ser vivo extraordinário. Até que em Tucson conheci de perto António Advino Sabino, o engenheiro agrónomo responsável pelos fantásticos trabalhos de correcção torrencial, luta contra a erosão das encostas, enfim, o conhecido Director Geral da Conservação de Solos da jovem República de Cabo Verde. Uma grande amizade nasceu e um belo dia, conversa puxa conversa, lá estava eu a gabar as virtudes da Prosopis... quando Sabino me interrompe quase que vociferando: "Ó rapaz, tchá diss! Ês é maior praga quês btá na Cabo Verde!" ... e lá foi ele me elucidando que a referida acácia tinha sido banida internacionalmente (proibida mesmo) pelas suas características infestantes, que só no Arizona era permitida por causa do mel e do carvão ... e em Cabo Verde pela ignorância dos então governantes. Mais dizia ele que a planta suga a água a mais de 4 metros de profundidade (o lençol freático da ilha do Maio onde temos o maior perímetro de Julifloras, desceu de tal modo que os poços secaram) e que onde ela entra nada mais cresce! Antes que meu amigo se tornasse apoplético, apressei-me a concordar com ele, mas céptico e cauteloso como era (e sou), lá fui agendando incursões às bibliotecas para me elucidar (a Internet ainda não era para nós, pois estávamos em 1987). O que li e aprendi, conjugado com o que de solos percebia, me fizeram doravante alinhar ao lado de Sabino, na luta contra a continuação do uso indevido da acácia americana em Cabo Verde. Foi esta a 4ª marca!
  5. Regressado ao INIDA em 1990 com meu PhD acabado, fui chamado a chefiar o Departamento de Recursos Naturais desse Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário. Em 1991 Sabino tornou-se Presidente do INIDA e juntos fomos a algumas conferências sobre o Ambiente. Eram oportunidades para desancar sobre a Juliflora e uma vez, numa entrevista à RCV no Mindelo, contrariei a campanha do Presidente da Câmara em prol da plantação da Prosopis,... alegando que, "a questão não é como alguns andam aí a propalar." Só que a boca resvalou para "...andam aí a papaguear!" Entretanto, Sabino orgulhava-se de ter introduzido no país uma espécie muito melhor, a Acacia holosericea (de origem australiana) que, também resistente à seca, não era nem infestante, nem esterilizava os solos. Quanto a mim, fui convidado a integrar uma equipa de quatro consultores para escrever o relatório de Cabo Verde à Conferência do Rio e aproveitei para nos 25% que me couberam, escrever 50% do relatório e dizer entre outras coisas, o que competia sobre o uso da Prosopis Juliflora em Cabo Verde. Porém, salientei que pelo facto de Cabo Verde possuir uma abelha europeia dócil (uma Apis Mellifera diferente da feroz abelha africana) e reputada por fabricar um bom mel, devia-se apostar na apicultura e aproveitar melhor as acácias. Este relatório impôs-me a quinta marca!
  6. Com esta recente marca avivada na cabeça, tudo era pretexto para maldizer a acácia americana. E para cúmulo, a paisagem que vislumbrava através das janelas da minha casa era por demais elucidativa do poder aniquilador da famigerada Prosopis. Vejam o estado calamitoso dos canteiros da Praça Alexandre Albuquerque, cuja foto da época (1991) vos apresento ao lado. Nesse ano nasceu meu filho Mauro, que pouco tempo depois acusava violentos sintomas de falta de ar, rapidamente diagnosticados como provocados por alergia a pólen de acácias. Por ter sido asmático em criança, sabia avaliar o sofrimento do petiz. Assim, creio ser esta, entre todas, a pior referência à Prosopis !
Obrigado pela vossa paciência em ler estas linhas. Que aconselharia para as políticas concernentes a esta acácia?

Obrigado e até ao próximo Domingo.

domingo, 13 de abril de 2008

Bolo de Congelador...Gelado do Amor !


Garda adora fazer este bolo-gelado em ocasiões especiais. Receita antiga do tempo dos primeiros congeladores.

Bolo de Congelador

Ingredientes

200g de manteiga
100g de chocolate em barra
125g de açúcar
3 ovos
250g de bolacha Maria

Derreter a manteiga e bater.
Derreter o chocolate em banho maria e misturar à manteiga
, juntando também o açúcar.
Deitar os ovos um a um e continuar a bater durante 20 minutos.
Partir as bolachas ao meio, humedecer cada metade ligeiramente em café preto e dispo-las numa forma que vá ao congelador (de preferência em vidro ou loiça) do seguinte modo:
  • 1ª camada do creme acima preparado
  • 2ª camada de bolachas
  • 3ª camada do creme
e assim sucessivamente, terminando por uma camada de creme.

Polvilhar com raspas de chocolate e levar ao congelador por 24horas.

Bom deleite deste cremoso bolo gelado!

Hilário Brito - CR4AD: o infectado pelo rádio-amadorismo, que dele fez uso para acabar com uma infecção fatal

O artigo que publiquei na semana passada, suscitou um interesse muito maior que aquele que realmente esperava. Por isso, acho que não devo adiar a história que prometera um dia contar.

Para estar mais abalizado para disso falar, fui visitar Hilário Brito neste fim-de-semana e ele me pôs a par de um interessante episódio: o modo como fora mordido pelo vírus do rádio-amadorismo.

Meu pai entrou em 1946 com apenas 20 anos, nos CTT (Correios Telégrafos e Telefones), como ajudante de mecânico, pela mão de, Francisco dos Reis Sousa Brito, pai dele e respeitado rádio-telegrafista daquela instituição. Aprendeu rapidamente a profissão do pai e tornou-se também rádio-telegrafista dos CTT (em 1948). Apaixonado pela electrónica, lá construiu dois emissores-receptores de morse e ofereceu um deles ao amigo Julinho Vera-Cruz, funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino) e que residia na Praia (actual Plateau). Assim, Hilário, que morava ainda em casa dos pais no então subúrbio da Fazenda, passava todas as noites, horas esquecidas na cavaqueira com Julinho, através de código Morse: Táre-rare-tá-rá-re-rá...(era o "chat" da época).

Poucos meses depois, Hilário e pais mudaram-se para o Monteagarro ao norte do Plateau. Talvez por causa da altitude (mais 30m que Fazenda) um belo dia Hilário escutou uma chuva de sinais morse que não eram as de Julinho certamente, pois eram em Inglês: tratavam-se de rádio-amadores americanos que quiseram travar conversação com Hilário. Este, saltou de júbilo e contentamento indo de imediato (às 2h da madrugada) ao quarto do pai gritando (sotaque do Fogo): "Brito, Brito, alan tâ papiâ cu merca através di nhâ emissor!" Brito, irritado, sonolento e do seu proverbial mau-humor desmancha (sotaque de S. Nicolau): "Sô se fôr é de merd... bá detá bu sussegá bo dêxam durmí!" E assim, Hilário passou doravante a se preocupar com o rádio-amadorismo, ficando Julinho para trás. Em 1949 já ostentava o CR4AD.
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Em 1957 Hilário já era famoso nos concursos CR/CT e noutros em que se metia. Vários diplomas certificavam o seu desempenho rádio-amador (da Checoslováquia, da Alemanha, de Portugal, dos Estados Unidos, do Brasil,etc). As taças amontoavam-se nas estantes e os galhardetes e salvas nas paredes (Hilário ainda hoje ostenta suas taças com orgulho: vejam-no na foto à direita ao lado de algumas). Os organizadores dos concursos CR/CT acabaram por extinguir esse certame, porque os troféus iam sempre para Cabo Verde (alegaram que as condições geográficas de Cabo Verde colocava este em vantagem competitiva incontornável face às demais paragens portuguesas).

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Agora a história de como uma criança foi salva pelo rádio-amadorismo

Hilário já morava na rua Serpa Pinto, em face ao Cinema Municipal da Praia. Tinha eu cerca de oito anos e me lembro perfeitamente do dia soalheiro em que, no início dos anos sessenta do século XX, bate esbaforido à porta de nossa casa, um amigo de Hilário, o Senhor Pedro Abreu, contando desesperado que a filha (de tenra idade) iria morrer nas próximas 48 horas se não tomasse um determinado medicamento dentro de 24h. Tratava-se de uma infecção cerebral rara cujo tratamento passava pela aplicação de uma injecção de Hemoglobina Gama. Não havia este medicamento em Cabo Verde e Abreu foi ver se Hilário conseguia fazer algo através de seus emissores.

Hilário então, dirigiu suas antenas para o Brasil (ele conhecia todos os truques para falar com rádio-amadores brasileiros, - ver diploma ao lado), pôs-se imediatamente à frente dos emissores e fez em todas as bandas que seus emissores permitiam, apelos de socorro para o caso. Após várias tentativas infrutíferas (suores frios escorriam da testa de Abreu) um rádio amador de Pernambuco de nome Fernando Fraga (PY7FM) acudiu e prontificou-se a ajudar, comunicando de imediato com um outro rádio-amador do Rio de Janeiro, amigo seu e médico. Este adquiriu o tal medicamento e logo que conseguiu entregá-lo ao piloto que ia levar um avião da Varig para o Sal naquela noite, transmitiu a mensagem com as coordenadas ao PY7FM que alertou CR4AD, meu pai, sobre a hora em que chegaria o avião da Varig ao Sal. Seria no dia seguinte de madrugada e Abreu e Hilário foram ao palácio do Governo pedir ao Governador da Província que autorizasse um vôo extraordinário do Haviland Tiger Moth dos TACV ao Sal para ir buscar o medicamento em causa. Faltavam 5 horas para o momento de irreversibilidade de degradação cerebral. O Governador deu a ordem e o Tiger rumou ao Sal (o avião da Varig já tinha chegado). Faltavam duas horas e meia e o Tiger ainda estava no Sal. Quiseram aproveitar o ensejo para carregar o Tiger com os sacos de mala postal que no Sal se acumulavam. Desesperados Abreu e Hilário contactaram o Governador que ordenou o regresso imediato do Tiger, sem as malas e com apenas o tal medicamento. Hilário e Abreu foram em seguida ao aeródromo da Praia esperar pelo Tiger. Lá vinha ele a aterrar; a assistência em terra, ao corrente da situação, correu ao avião e tomou do piloto a embalagem salvadora. Meia hora antes do momento fatídico, o médico já tinha aplicado a injecção.

Duas horas depois a petiz já não tinha febre e dois dias depois já brincava. O médico Brasileiro não quis receber o dinheiro do medicamento, o Governador emitiu um louvor a Hilário e o PY7FM ficou famoso entre os rádio-amadores brasileiros.
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Assim terminou esta história feliz, graças a estes valorosos rádio-amadores que não vêem distâncias, nem nacionalidades, atrás desses microfones, antenas e altifalantes ruidosos (não deixando as esposas ou os filhos dormir). Termino eu como da outra vez, com Flávio Abrantes da Cunha (olá Zé!) cujo "Shack" se vê na foto ao lado.

domingo, 6 de abril de 2008

Os primeiros rádio-amadores de Cabo Verde

Supostamente devia escrever um artigo por semana para este Blog. Mas hoje, vejo-me obrigado a escrever dois, visto ter acabado de ler o artigo que Amante da Rosa publicou sobre o início da rádio em Cabo Verde, o que me trouxe várias recordações à mente. Comentei logo no Cbox do blog dela, alegando orgulhosamente que meu pai, Hilário da Silva Sousa Brito, foi o primeiro rádio-amador cabo-verdiano em Cabo Verde.

Não me esqueço dos célebres concursos CR/CT que faziam meu progenitor não dormir durante dois dias por ano, em frente dos emissores (construídos por ele) a fazer e a receber chamadas de voz e em morse, para o mundo português. "Cê quiú (CQ) twenty... CQ Twenty... CQ Twenty, aqui CR4AD chamando de Cabo Verde, Charles Rogers Four Abel Dog (para CR4AD)... câmbio." assim ia ele pronunciando aquela lenga-lenga por entre ruídos e apitos dos altifalantes dos emissores a válvulas (o aposento que ele chamava de "Shack" devia estar a dois graus mais quente que o resto da casa).

Centenas de rádio-amadores disputavam estes concursos anuais. Quem mais conversações estabelecidas fizesse, ganhava um troféu (geralmente uma taça) luzidio para a sua estante. É com orgulho que meu pai ostenta várias taças no seu Shack , tendo ganho o 1º lugar do concurso CR/CT por duas vezes e ficado em 2º ou 3º nas restantes edições (entre 1957 e 1967).

Eu, quando aprendi a escrever, lá ia preenchendo os cartões que os rádio-amadores trocavam entre si, como comprovativos das conversações entabuladas, os conhecidos QSL. Foi assim que comecei a minha querida colecção de selos: "um selo de cada país", ao mesmo tempo que meu pai adicionava novos países aos que já tinha estabelecido contacto (pelo mundo inteiro) colocando alfinetes coloridos no mapa-mundi pendurado no "Shack". Cliquem aqui e terão a primeira de quatro páginas de QSLs de Cabo Verde, podendo encontrar nelas várias pessoas conhecidas, como Flávio Cunha, pai do meu grande amigo Zé Cunha. Eis ao lado o QSL de Flávio Cunha.

Hoje, os QSL são matéria de leilões para os coleccionadores. O indicativo actual para os rádio-amadores de Cabo Verde é o D4C e meu pai tornou-se o D4C-AD.

Talvez um dia vos conte outros episódios que presenciei e vivi nesta atmosfera do radio-amadorismo de Hilário Brito, como o de quando sua estação serviu para salvar a vida a uma criança.

Até mais e leiam agora o artigo em baixo também hoje publicado:

Que faz Gilberto Freyre em casa da minha bisavó Ludovina da Graça Rezende?

Em primeiro lugar, quem foi Gilberto Freyre? foi um sociólogo, antropólogo e escritor brasileiro, considerado um dos grandes nomes da história do Brasil (não confundir com Paulo Freire, um grande pedagogo, também brasileiro). Nascido em 1900 (ver sua biografia aqui), Gilberto Freyre notabilizou-se ao publicar em Dezembro de 1933 Casa-Grande & Senzala , seu primeiro livro, um autêntico "best seller". Nesse livro, Freyre centra sua temática sociológica na relação entre o colonizador branco e o escravo, defendendo que a miscigenação era um factor positivo na construção da cultura brasileira. Visita Cabo Verde em Outubro de 1951 e cria o conceito de "luso-tropicalismo". O resultado do périplo por antigas possessões portuguesas deu origem a um outro livro de Freyre: "Aventura e Rotina". Este suscitou em 1956 uma reacção de protesto em Baltasar Lopes (ver referência aqui) que gerou polémica durante e ainda por muitos anos.

Gilberto Freyre aproveitou a ocasião de sua curta estadia em Cabo Verde para visitar minha bisavó Ludovina! Isto porque Freyre também era historiador e, sabendo que José de Rezende Costa, um dos "inconfidentes mineiros", tinha sido deportado para Cabo Verde, quis conhecer os descendentes dos mesmos. Efectivamente, minha bisavó, Ludovina da Graça Rezende, era bisneta do comendador José de Rezende Costa. Na fotografia que apresentei no início, pode-se ver Freyre do lado direito, atrás de Ludovina, a octogenária sentada ao centro. Ao lado de Freyre distingue-se Francisco Rezende Mascarenhas, filho de Ludovina e meio-irmão de Filomena Cândida Rezende, a senhora idosa do lado direito. A jovem senhora do lado esquerdo é a minha mãe Esther Santos, neta de Ludovina.

A foto que agora apresento aqui à direita, é uma espécie de "matrioska" onde eu que estou ao colo de Ludovina, saí de dentro de Esther, que saiu de dentro de Cândida, que por sua vez saiu de dentro de Ludovina (fica assim provada, a minha ascendência inconfidente!).

Como já tinha evocado anteriormente, os Rezende provieram do Brasil (ainda voltarei a esta história) e Ludovina Rezende é um dos seus mais paradigmáticos descendentes (voltarei ainda um belo Domingo para homenagear convenientemente minha bisavó). Por agora termino dizendo que Gilberto Freyre deixou uma fundação com seu nome, a Fundação Gilberto Freyre, e que tive o privilégio de corresponder com o filho (já falecido), então presidente da fundação.

Aqui vai um clip de vídeo que fala da Fundação e de Gilberto: