O artigo que publiquei na semana passada, suscitou um interesse muito maior que aquele que realmente esperava. Por isso, acho que não devo adiar a história que prometera um dia contar.
Para estar mais abalizado para disso falar, fui visitar Hilário Brito neste fim-de-semana e ele me pôs a par de um interessante episódio: o modo como fora mordido pelo vírus do rádio-amadorismo.
Meu pai entrou em 1946 com apenas 20 anos, nos CTT (Correios Telégrafos e Telefones), como ajudante de mecânico, pela mão de, Francisco dos Reis Sousa Brito, pai dele e respeitado rádio-telegrafista daquela instituição. Aprendeu rapidamente a profissão do pai e tornou-se também rádio-telegrafista dos CTT (em 1948). Apaixonado pela electrónica, lá construiu dois emissores-receptores de morse e ofereceu um deles ao amigo Julinho Vera-Cruz, funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino) e que residia na Praia (actual Plateau). Assim, Hilário, que morava ainda em casa dos pais no então subúrbio da Fazenda, passava todas as noites, horas esquecidas na cavaqueira com Julinho, através de código Morse: Táre-rare-tá-rá-re-rá...(era o "chat" da época).
Poucos meses depois, Hilário e pais mudaram-se para o Monteagarro ao norte do Plateau. Talvez por causa da altitude (mais 30m que Fazenda) um belo dia Hilário escutou uma chuva de sinais morse que não eram as de Julinho certamente, pois eram em Inglês: tratavam-se de rádio-amadores americanos que quiseram travar conversação com Hilário. Este, saltou de júbilo e contentamento indo de imediato (às 2h da madrugada) ao quarto do pai gritando (sotaque do Fogo): "Brito, Brito, alan tâ papiâ cu merca através di nhâ emissor!" Brito, irritado, sonolento e do seu proverbial mau-humor desmancha (sotaque de S. Nicolau): "Sô se fôr é de merd... bá detá bu sussegá bo dêxam durmí!" E assim, Hilário passou doravante a se preocupar com o rádio-amadorismo, ficando Julinho para trás. Em 1949 já ostentava o CR4AD.
Para estar mais abalizado para disso falar, fui visitar Hilário Brito neste fim-de-semana e ele me pôs a par de um interessante episódio: o modo como fora mordido pelo vírus do rádio-amadorismo.
Meu pai entrou em 1946 com apenas 20 anos, nos CTT (Correios Telégrafos e Telefones), como ajudante de mecânico, pela mão de, Francisco dos Reis Sousa Brito, pai dele e respeitado rádio-telegrafista daquela instituição. Aprendeu rapidamente a profissão do pai e tornou-se também rádio-telegrafista dos CTT (em 1948). Apaixonado pela electrónica, lá construiu dois emissores-receptores de morse e ofereceu um deles ao amigo Julinho Vera-Cruz, funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino) e que residia na Praia (actual Plateau). Assim, Hilário, que morava ainda em casa dos pais no então subúrbio da Fazenda, passava todas as noites, horas esquecidas na cavaqueira com Julinho, através de código Morse: Táre-rare-tá-rá-re-rá...(era o "chat" da época).
Poucos meses depois, Hilário e pais mudaram-se para o Monteagarro ao norte do Plateau. Talvez por causa da altitude (mais 30m que Fazenda) um belo dia Hilário escutou uma chuva de sinais morse que não eram as de Julinho certamente, pois eram em Inglês: tratavam-se de rádio-amadores americanos que quiseram travar conversação com Hilário. Este, saltou de júbilo e contentamento indo de imediato (às 2h da madrugada) ao quarto do pai gritando (sotaque do Fogo): "Brito, Brito, alan tâ papiâ cu merca através di nhâ emissor!" Brito, irritado, sonolento e do seu proverbial mau-humor desmancha (sotaque de S. Nicolau): "Sô se fôr é de merd... bá detá bu sussegá bo dêxam durmí!" E assim, Hilário passou doravante a se preocupar com o rádio-amadorismo, ficando Julinho para trás. Em 1949 já ostentava o CR4AD.
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Em 1957 Hilário já era famoso nos concursos CR/CT e noutros em que se metia. Vários diplomas certificavam o seu desempenho rádio-amador (da Checoslováquia, da Alemanha, de Portugal, dos Estados Unidos, do Brasil,etc). As taças amontoavam-se nas estantes e os galhardetes e salvas nas paredes (Hilário ainda hoje ostenta suas taças com orgulho: vejam-no na foto à direita ao lado de algumas). Os organizadores dos concursos CR/CT acabaram por extinguir esse certame, porque os troféus iam sempre para Cabo Verde (alegaram que as condições geográficas de Cabo Verde colocava este em vantagem competitiva incontornável face às demais paragens portuguesas).
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Agora a história de como uma criança foi salva pelo rádio-amadorismo
Hilário já morava na rua Serpa Pinto, em face ao Cinema Municipal da Praia. Tinha eu cerca de oito anos e me lembro perfeitamente do dia soalheiro em que, no início dos anos sessenta do século XX, bate esbaforido à porta de nossa casa, um amigo de Hilário, o Senhor Pedro Abreu, contando desesperado que a filha (de tenra idade) iria morrer nas próximas 48 horas se não tomasse um determinado medicamento dentro de 24h. Tratava-se de uma infecção cerebral rara cujo tratamento passava pela aplicação de uma injecção de Hemoglobina Gama. Não havia este medicamento em Cabo Verde e Abreu foi ver se Hilário conseguia fazer algo através de seus emissores.
Hilário então, dirigiu suas antenas para o Brasil (ele conhecia todos os truques para falar com rádio-amadores brasileiros, - ver diploma ao lado), pôs-se imediatamente à frente dos emissores e fez em todas as bandas que seus emissores permitiam, apelos de socorro para o caso. Após várias tentativas infrutíferas (suores frios escorriam da testa de Abreu) um rádio amador de Pernambuco de nome Fernando Fraga (PY7FM) acudiu e prontificou-se a ajudar, comunicando de imediato com um outro rádio-amador do Rio de Janeiro, amigo seu e médico. Este adquiriu o tal medicamento e logo que conseguiu entregá-lo ao piloto que ia levar um avião da Varig para o Sal naquela noite, transmitiu a mensagem com as coordenadas ao PY7FM que alertou CR4AD, meu pai, sobre a hora em que chegaria o avião da Varig ao Sal. Seria no dia seguinte de madrugada e Abreu e Hilário foram ao palácio do Governo pedir ao Governador da Província que autorizasse um vôo extraordinário do Haviland Tiger Moth dos TACV ao Sal para ir buscar o medicamento em causa. Faltavam 5 horas para o momento de irreversibilidade de degradação cerebral. O Governador deu a ordem e o Tiger rumou ao Sal (o avião da Varig já tinha chegado). Faltavam duas horas e meia e o Tiger ainda estava no Sal. Quiseram aproveitar o ensejo para carregar o Tiger com os sacos de mala postal que no Sal se acumulavam. Desesperados Abreu e Hilário contactaram o Governador que ordenou o regresso imediato do Tiger, sem as malas e com apenas o tal medicamento. Hilário e Abreu foram em seguida ao aeródromo da Praia esperar pelo Tiger. Lá vinha ele a aterrar; a assistência em terra, ao corrente da situação, correu ao avião e tomou do piloto a embalagem salvadora. Meia hora antes do momento fatídico, o médico já tinha aplicado a injecção.
Duas horas depois a petiz já não tinha febre e dois dias depois já brincava. O médico Brasileiro não quis receber o dinheiro do medicamento, o Governador emitiu um louvor a Hilário e o PY7FM ficou famoso entre os rádio-amadores brasileiros.
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Assim terminou esta história feliz, graças a estes valorosos rádio-amadores que não vêem distâncias, nem nacionalidades, atrás desses microfones, antenas e altifalantes ruidosos (não deixando as esposas ou os filhos dormir). Termino eu como da outra vez, com Flávio Abrantes da Cunha (olá Zé!) cujo "Shack" se vê na foto ao lado.
Hilário então, dirigiu suas antenas para o Brasil (ele conhecia todos os truques para falar com rádio-amadores brasileiros, - ver diploma ao lado), pôs-se imediatamente à frente dos emissores e fez em todas as bandas que seus emissores permitiam, apelos de socorro para o caso. Após várias tentativas infrutíferas (suores frios escorriam da testa de Abreu) um rádio amador de Pernambuco de nome Fernando Fraga (PY7FM) acudiu e prontificou-se a ajudar, comunicando de imediato com um outro rádio-amador do Rio de Janeiro, amigo seu e médico. Este adquiriu o tal medicamento e logo que conseguiu entregá-lo ao piloto que ia levar um avião da Varig para o Sal naquela noite, transmitiu a mensagem com as coordenadas ao PY7FM que alertou CR4AD, meu pai, sobre a hora em que chegaria o avião da Varig ao Sal. Seria no dia seguinte de madrugada e Abreu e Hilário foram ao palácio do Governo pedir ao Governador da Província que autorizasse um vôo extraordinário do Haviland Tiger Moth dos TACV ao Sal para ir buscar o medicamento em causa. Faltavam 5 horas para o momento de irreversibilidade de degradação cerebral. O Governador deu a ordem e o Tiger rumou ao Sal (o avião da Varig já tinha chegado). Faltavam duas horas e meia e o Tiger ainda estava no Sal. Quiseram aproveitar o ensejo para carregar o Tiger com os sacos de mala postal que no Sal se acumulavam. Desesperados Abreu e Hilário contactaram o Governador que ordenou o regresso imediato do Tiger, sem as malas e com apenas o tal medicamento. Hilário e Abreu foram em seguida ao aeródromo da Praia esperar pelo Tiger. Lá vinha ele a aterrar; a assistência em terra, ao corrente da situação, correu ao avião e tomou do piloto a embalagem salvadora. Meia hora antes do momento fatídico, o médico já tinha aplicado a injecção.
Duas horas depois a petiz já não tinha febre e dois dias depois já brincava. O médico Brasileiro não quis receber o dinheiro do medicamento, o Governador emitiu um louvor a Hilário e o PY7FM ficou famoso entre os rádio-amadores brasileiros.
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Assim terminou esta história feliz, graças a estes valorosos rádio-amadores que não vêem distâncias, nem nacionalidades, atrás desses microfones, antenas e altifalantes ruidosos (não deixando as esposas ou os filhos dormir). Termino eu como da outra vez, com Flávio Abrantes da Cunha (olá Zé!) cujo "Shack" se vê na foto ao lado.
Sobre este tema já te enviei a minha opinião. Alguns pensarão que estamos a celebrara uma espécie de "festa de família". Quem se limitar a esta leitura estreita não vê o essencial. Este exercício de memória, e de uma história feita de, e por, pessoas reais (algumas ainda vivas), tem por base factos e episódios que merecem ser lembrados. Há, decididamente, uma falta de memória pouco saudável, que estes tempos eufóricos ajudam a dissipar. Lamentavelmente.
ResponderEliminarAinda bem que tens contribuido para contrariar esta deriva.
1 ab
Zé
Caro Sr. Jorge,
ResponderEliminarMuito obrigado por esta bela e emocionante história. E ainda por cima escrita com uma grande maestria! O Alex, no comentário anterior, tem razão, é necessário reaviver essas "estórias", relembrar esses actos de heroísmo de pessoas hoje anónimas. Continue, o seu blog é muito educativo, especialmente para nós os "jovens" desta geração.
Abraço,
Paulino Dias
Para quem nos deleitou com a crónica sobre a banana a "cem paus", é muito bondade sua achar que com maestria escrevi.
ResponderEliminarObrigado pelo incentivo, o que sempre traz ânimo ao "bloguista" para continuar a escrever. Sabe, é abismal a diferença entre o nº de visitantes pelos blogs e o nº dos que os comentam!
Até breve meu caro.
sinceramente obrigado pa kel storia li!
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