domingo, 30 de dezembro de 2007

A resposta de um cinófilo

No artigo anterior, mencionei José Eduardo Cunha como meu melhor amigo de infância, mas também de adolescência. Eis que o mesmo, ao ler esse artigo, fez um interessante comentário, recheado de testemunhos de fina sensibilidade, terminando com um autêntico "plaidoyer" sobre a maldade de alguns humanos em relação aos cães. É com imenso gosto que transcrevo a seguir a missiva que Zé Eduardo me dirigiu:

Caro Jorge


Apenas para fazer uma pequena correcção. O nosso cão, porventura irmão, primo, tio, "Eu sei lá!" do teu Boby (de que me lembro bem), chamava-se Cachito (lê-se Katxitu), título da famosa canção do Nat King Cole CACHITO MIO, na moda nos anos 60. O nome, sempre gostamos lá em casa de alimentar esta versão, foi escolhido pelo próprio, quando um dia, ouvindo o Nat cantá-la, desatou a uivar. A verdade é que, por associação ou não, muito mais tarde o Cachito continuava a uivar sempre que ouvia a famosa canção que lhe deu o nome.

Foi meu companheiro de infância, e parte da juventude, e morreu de velho. Terá vivido entre 10 a 12 anos, não sei precisar. Confirmo que foi a tua avó que o ofereceu, ao meu Pai, ou à minha Tia Leonor, e não às minhas irmãs, que na altura ainda não tinham nascido. O Cachito foi para nossa casa em 1962 ou 1963, ainda no Bêco da Pracinha não muito longe da tua casa, e do cinema, que, naquela altura, era uma ‘República’ onde moravam o meu Pai, os meus Tios e Tia, e os Primos destes.

Tinha eu 5 ou 6 anos, ele era um cãozinho quase acabado de nascer quando para lá foi, e ainda bebia leite no nosso colo. Na verdade nós saímos dessa casa em 1964 quando o meu Pai se casou, para a casa na confluência das então Rua Sá da Bandeira, Rua da República, e a Rua 5 Outubro (a nossa rua). A minha primeira irmã só nasceria em 1965, já o Cachito vivia connosco há já algum tempo. Como disse atrás, morreu de velho e doente, sofrendo muito, simplesmente porque para nós era inconcebível mandar matá-lo. Eu, por mero acaso, não estava em casa quando aconteceu. Encontrava-me no Serrado/Órgãos com o meu amigo Rui Bastos/"Hometa" em casa do Avô deste, o conhecido Sr. Bastos, produtor de ananzes, a passar uma semana. De regresso deram-me a notícia da morte do Cachito, mas nunca, até hoje, me disseram aonde o tinham enterrado. Chorei muito aquela perda. Lembro-me, como se fosse hoje, de muitas peripécias que passei, e passamos, com ele. Ele, como tudo o que me tocou, e como tudo o que amei, faz parte da minha vida, e ocupa um lugar central nela. Nunca mais tive outro cão. Nem penso vir a ter. O Cachito não foi apenas um cão. Mas um dos meus melhores e mais fiéis amigos. Ele é insubstituível. Não sei quantos cães da tua avó terão tido vida tão longa e tão próspera, terão tido tanta importância na vida de uma família, ao ponto de ter feito parte integrante dela, e terá sido tão conhecido na Praia como o foi então o Cachito.

Fico então à espera que fales mais da "Raça" do teu Boby e do nosso Cachito, e já agora, caso não seja pedir demais, vê lá se descobres, pelo menos, o nome dos seus progenitores. É, também, destas memórias de que somos feitos. Obrigado por teres partilhado esta recordação. Concluo, respondendo à tua pergunta. Sou cinéfilo, e sou cinófilo. De cinema falaremos noutra ocasião. O Cinófilo sofre todos os dias quando tropeça num cão abandonado. E por aqui há muitos. Há dois períodos terríveis para esta barbárie que é abandonar um cão. Um é o período das férias, o outro é este precisamente em que te escrevo, fim/início do ano. A táctica canalha desta gente, é atravessar a Ponte 25 Abril e abandoná-los à sua sorte na margem sul. Então é vê-los por aí desesperados à procura do caminho de casa, aflitos e perdidos à procura dos donos, porque, estou certo disso, abandono é algo que o elevadíssimo sentido de fidelidade dos cães não entende nem reconhece. Infelizmente, nem todos os cães merecem os donos que têm. A mim ofende-me vê-los por aí perdidos, tristes e indefesos. Acredita, que poucos olhares, como os dos cães, são tão ricos e expressivos. Basta olhar um cão nos olhos para se saber se é feliz e se está bem tratado. Obrigado pela oportunidade que me dás de começar bem este ano, falando de algo que me é particularmente caro. Fi-lo in memoriam do meu amigo CACHITO.

Bom Ano

Zé Cunha



P.S.- A propósito de cães, dos Boby's e dos Cachito's deste mundo, faço-te aqui esta recomendação. Lê o livro "TIMBUKTU", do Paul Auster, Edição Asa.


Se já o leste, sabes do que falo. Se não, então lê, porque sei que vais gostar muito. É uma espécie de "Evangelho" para Cinófilos. Um dos livros mais belos que já li até hoje, e, definitivamente, um dos livros da minha vida.

Cá vai a letra. Sublinhados meus.

Cachito Mio

Nat King Cole


A tu lado yo no se lo que es tristeza
y las horas se me pasan sin sentir
tu me miras y yo me pierdo la cabeza
y lo unico que puedo repetir.




Lalalalalalalala
Lalalalalalalala
Cachito, cachito, cachito mio
pedazo de cielo que Dios me dio
te miro y te miro y al fin bendigo

bendigo la suerte de ser tu amor.

Me preguntan que porque eres mi cachito
y yo siento muy bonito al responder
porque eres de mi vida un pedacito
a que quiero como a nadie de querer.

Cachito, cachito, cachito mio
pedazo de cielo que Dios me dio
te miro y te miro y al fin bendigo
bendigo la suerte de ser tu amor.

Cachito, cachito, cachito mio
pedazo de cielo que Dios me dio
te miro y te miro y al fin bendigo
bendigo la suerte de ser tu amor.

Cachito (cachito)
cachito mio (cachito)
ay pequeñito
de mama y de papa.

Cachito (cachito)
cachito mio (cachito)
ay amorcito
de mama y de papa.

Cachito, cachito, cachito mio
pedazo de cielo que Dios me dio
te miro y te miro y al fin bendigo
bendigo la suerte de ser tu amor.

Lalalalalalalala
Lalalalalalalala

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