domingo, 23 de dezembro de 2007

Serei um cinéfilo ou um cinófilo?

Na realidade nem uma coisa nem outra, ou melhor um pouco das duas coisas!

Embora tivesse nascido ao lado do cinema da Praia e por meu pai ter na altura dois lugares cativos (por ser seu técnico de serviço) em todas as sessões, podendo eu assistir a dezenas de filmes (sem muitas vezes ter a idade requerida), não é de cinema que vos quero aqui hoje falar. Sim, não é do cinéfilo em mim, mas sim do cinófilo que julgo um pouco ser. Que significa este "palavrão" ? Nada mais nada menos do que amigo dos cães.

Desde os seis anos que me acostumei a conviver com cães em casa e tinha um pequeno cão branco e felpudo que se chamava Boby. Este tinha-me sido oferecido pela minha avó paterna, Nha Quinha, que em sua casa na "rua do hospital" fazia a criação destas preciosidades que desconfio muito serem aparentados dos caniches (falarei destes num próximo artigo). Meu Boby era da mesma ninhada de um outro com nariz rosado e que fora oferecido às filhas do Sr. Flávio Cunha, técnico dos CTT, colega de meu pai e progenitor do meu melhor amigo de infância, José Eduardo Cunha.

Boby era muito inteligente e brincávamos às escondidas e a outras diabruras durante 11 anos. Em 1974, este animal que tinha o hábito de sozinho ir e vir à casa de vovó Quinha ver os outros cães (e certamente cadelas) irmãos mais novos, desapareceu, pura e simplesmente. Houve quem sugerisse que o infeliz tivesse sido capturado por um tal Sr. Maurício, dono do restaurante "a Floresta" então sito nas traseiras do local onde veio a ser construido o Hotel Marisol. Maurício ficou famoso por servir uns excelentes guisados de cabrito... até que foram encontradas peles de cachorros nas redondezas do quintal do restaurante que explorava. Pobre Boby!

1 comentário:

  1. Caro Jorge
    Apenas para fazer uma pequena correcção. O nosso cão, porventura irmão, primo, tio, "Eu sei lá!" do teu Boby (de que me lembro bem), chamava-se CACHITO (lê-se Katxitu), título da famosa canção do Nat King Cole, na moda nos anos 60. O nome, sempre gostamos de alimentar esta versão, foi escolhido pelo próprio, quando um dia, ouvindo o Nat cantá-la, desatou a uivar. A verdade é que, por associação ou não, muito mais tarde o Cachito continuava a uivar sempre que ouvia a famosa canção que lhe deu o nome. Foi meu companheiro de infância, e parte da juventude, e morreu de velho. Terá vivido entre 10 a 12 anos, não sei precisar. Confirmo que que foi a tua avó que o ofereceu, ou ao meu Pai, ou à minha Tia Leonor, e não às minhas irmãs, que na altura ainda não tinham nascido. O Cachito foi para nossa casa em 1962 ou 1963, ainda no Bêco da Pracinha não muito longe da tua casa e do cinema, que, naquela altura, era uma República onde morava o meu Pai, os meus Tios e Tia, e os Primos destes. Tinha eu 5 ou 6 anos, era um cãozinho quase acabado de nascer quando para lá foi, e ainda bebia leite ao nosso colo. Na verdade nós saímos dessa casa em 1964 quando o meu Pai se casou, para a casa na confluência das então Rua Sá da Bandeira, Rua da República e a Rua 5 Outubro (a nossa rua). A minha primeira irmã só nasceria em 1965, já o Cachito vivia connosco há já algum tempo. Como disse atrás, morreu de velho e doente, sofrendo muito, porque para nós era simplesmente inconcebível mandar matá-lo. Eu, por mero acaso, não estava em casa. Encontrava-me no Serrado/Órgãos com o meu amigo Rui Bastos/"Hometa" em casa do Avô deste, o conhecido Sr. Bastos, produtor de ananzes, a passar uma semana. De regresso deram-me a notícia da morte do Cachito, mas nunca, até hoje, me disseram aonde o tinham enterrado. Chorei muito aquela perda. Lembro-me, como se fosse hoje, de muitas peripécias que passei, e passamos, com ele. Ele, como tudo o que me tocou, e como tudo o que amei, faz parte da minha vida, e ocupa um lugar central nela. Nunca mais tive outro cão. Nem penso vir a ter. O Cachito não foi apenas um cão. Mas um dos meus melhores e mais fiéis amigos. Ele é insubstituivel. Não sei quantos cães da tua avó terão tido vida tão longa, terão tido tanta importância na vida de uma família, ao ponto de ter feito parte dela, e terá sido tão conhecido na Praia como o foi então o Cachito. Fico então à espera que fales mais da "Raça" do teu Boby e do nosso Cachito, e já agora, caso não seja pedir demais, vê lá se descobres, pelo menos, o nome dos seus progenitores. É, também, destas memórias de que somos feitos. Obrigado por teres partilhado esta recordação. Concluo, respondendo à tua pergunta. Sou cinéfilo, e sou cinófilo. De cinema falaremos noutra ocasião. O Cinófilo sofre todos os dias quando tropeça num cão abandonado. E por aqui há muitos. Há dois períodos terríveis para esta barbárie que é abandonar um cão. Um é o período das férias, o outro é este precisamente em que te escrevo, fim/início do ano. A táctica canalha, é atravessar a Ponte 25 Abril e abandoná-los à sua sorte. Então é vê-los por aí desesperados à procura do caminho de casa, aflitos e perdidos à procura dos donos, porque, estou certo disso, abandono é algo que o elevadíssimo sentido de fidelidade dos cães não entende. Infelizmente, nem todos os cães merecem os donos que têm. A mim ofende-me vê-los por aí perdidos, tristes e idefesos. Acredita, que poucos olhares, como os dos cães, são tão ricos e expressivos. Basta olhar um cão nos olhos para se saber se é feliz e se está bem tratado. Obrigado pela oportunidade que me dás de começar bem este ano, falando de algo que me é particularmente caro. Fi-lo in memoriam do meu amigo CACHITO.
    Bom Ano
    Zé Cunha
    2008-01-01

    P.S.- A propósito de cães, dos Boby's e dos Cachito's deste mundo, faço-te aqui esta recomendação. Lê o livro "TIMBUKTU", do Paul Auster, Edição Asa. Se já o leste, sabes do que falo. Se não, então lê, porque sei que vais gostar. É uma espécie de "Evangelho" para Cinófilos. Um dos livros mais belos que já li até hoje, e, definitivamente, um dos livros da minha vida.

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