domingo, 16 de março de 2008

Histórica moeda entre o desprezo e o menosprezo

Esta é a primeira moeda que levou o cunho de Cabo Verde. Foi posta a circular em 1930 (Decreto nº18495 de 24.I.1930) e a sua tiragem foi de um milhão de exemplares.

Já se aperceberam, meus caros leitores, que vou finalmente falar de Numismática. O que vos parece obscuro é talvez o enigmático título. Porém, lá chegaremos, mas não sem antes conhecermos melhor a história desta moeda e de como me deparei numismata.

Rapidamente podem encontrar na Wikipédia, uma conseguida explicação do vocábulo e de seu significado. Eis o primeiro parágrafo da referida explicação:
"Numismática (do grego clássico νόμισμα - nomisma, através do latim numisma, moeda) é a ciência auxiliar da história que tem por objetivo o estudo das moedas e das medalhas."
Na casa onde cresci (e onde moro: localizem-na no pano de fundo do cabeçalho deste blog) há um vasto alçapão onde na época minha avó mantinha baús e velharias do século XIX, quiçá, XVIII. Curiosidade infantil, aliada à minha nativa tendência para a investigação, levava-me a fazer incursões exploratórias ao alçapão, em busca de não sei que tesouro escondido. Acreditem, encontrava coisas fabulosas e um belo dia desencantei umas antigas moedas do tempo da monarquia (vinténs, patacos, "derés" e outras) entre as quais se destacava um D. Luís de prata! Este foi o rastilho e a energia de activação da minha entrada para o grupo dos numismatas! (to be continued...)

Agora vejamos um pouco da história da primeira cunhagem de moedas próprias de Cabo Verde, com o nome da então colónia devidamente evidenciado. É com a devida vénia ao Eng.º de Sistemas Fernando Rodrigo C. Romão e Alves da Silva que transcrevo o seguinte texto de um site seu:

As moedas de Portugal e as que se obtinham com o comércio externo compuseram desde a origem a numerário desta Província.

LOPES FERNANDES, na sua Memoria das Moedas Correntes em Portugal, descreve o que se passava na sua época, já no século XIX. "As moedas do reino são correntes nesta província, 1 peça de 8000 réis ou 8 Patacas e 1/3, os Cruzados novos de prata, na venda por 500 réis, e na compra por 480 réis, sendo elles e as peças raríssimas; e também correm as fracções de prata. O cobre e o bronze, as mesmas que em Portugal. São admitidas todas as moedas estrangeiras, com o valor de mercado, como qualquer outra mercadoria; mas nas transacções com os estrangeiros a moeda nominal é a Pataca com o valor de 800 réis fortes; e na Ilha da Boa-Vista existe a mesma moeda nominal, e mesmo nas transacções internas, nas quaes é a Pataca reputada por 800 réis fracos - Foi esta informação dada para o Governo pelo Governador Geral de Cabo Verde em 16 de Fevereiro de 1846.

O Decreto de 19 de Outubro de 1853, mandou que todas as moedas portuguezas fossem alli correntes, sendo igualmente admittidas todas as estrangeiras, que o foram em Portugal pelos Decretos de 1846 e 1847".

ÁLVARO LERENO, in Subsidios para a História da Moeda em Cabo Verde (1460-1940), fala das vicissitudes suportadas neste território por esses anos fora sem moeda própria e, geralmente, com escassez da que lhe vinha da Metrópole, de Angola e dos estrangeiros com quem negociava.

É com o Decreto nº18495 de 24.I.1930, que aparece a primeira moeda metálica desta Província Ultramarina.

Vejam agora a belíssima série numismata de 1930:
1 Escudo

1930
AlpacaAmoedação

50,000
50 centavos

1930
AlpacaAmoedação

1,000,000
20 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,500,000
10 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,500,000
5 centavos

1930
BronzeAmoedação

1,000,000

É pois esta última moeda que hoje vos apresento:
O MEIO TOSTÃO
A moeda com que não se conseguia comprar quase nada, sobretudo durante a II Grande Guerra e anos subsequentes (a inflação galopante desvalorizou a moeda). O meio-tostão tornou-se "cascalho". Devido a isto, a sabedoria popular tratou logo de engendrar duas frases paradigmáticas:

A de desprezo:
"Ca bali nen mei tiston frado"
Um indivíduo ou um objecto desprezível "não valeria nem um meio-tostão, e menos ainda se esta moeda estivesse furada!"
NB: não é que eu furei uma destas moedas para tê-la no bolso e poder gozar com os colegas que se metiam comigo, dizendo-lhes que a moeda era mais valiosa do que eles!!
A de menosprezo:
"Mei tiston ca ten troco !"
A uma provocação não se deva responder (dar o troco) sobretudo se vier de alguém que desconsideramos. De facto não havia troco para a moeda de menor valor facial, a de 5 centavos, o nosso meio tostão.

1 comentário:

  1. É estranho que uma das moedas mais fracas (valor facial) se tenha revelado uma das mais fortes (valor simbólico). Nós, que herdamos do 'meio tostão' apenas a fama e o chiste, usamo-la abundantemente nas 'transacções' sociais. Ninguém gostava de ser 'cambiado' pelo valor socio-facial da moedinha maldita. Pergunto-me se o valor simbólico da moeda tem ainda uso corrente junto dos mais jovens. Continua transaccionável, ou subsiste apenas entre os 'numismatas' da memória? Espero que não seja mais um caso de tradição/traição. Bom contributo para a nossa memória colectiva, resgatada lá dos confins do TEMPU CANEKINHA.
    Já agora deixo a pergunta para quem a quiser agarrar: Hoje em dia, qual seria o equivalente social do famoso MEI TISTON?
    1ab
    ZCunha

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