Aquando da minha primeira viagem a Lisboa (tinha eu 4 anos) descobri deslumbrado as maravilhas de um mundo frenético e reluzente. Mal me esqueço da cornucópia em néon amarelo, que num dos prédios da avenida Almirante Reis se enchia progressivamente e entornava reluzentes moedas de oiro. Também os automóveis eram um motivo de deleite. Meu pai, tinha um alugado, no qual ia de casa à fábrica de telefones, em Cabo Ruivo, onde, a mando dos CTT de Cabo Verde, fazia um estágio. Um belo dia, chega ele furioso a casa, barafustando que tivera um choque de raspão com uma "dona-elvira" mas que o dono declarara à polícia danos manifestamente não causados por ele, meu pai. "De um dona-elvira queria fazer um Ferrari", praguejava meu progenitor, enquanto eu (já com 5 anos) me interrogava de que Srª Dona Elvira se tratava. Claro que acabei por saber que meu pai se referia a um automóvel antigo e velho. Mais tarde, de regresso a Cabo Verde, vim a ouvir a música de Roberto Carlos intitulada "O Calhambeque" que se tornou num grande sucesso. Eis um clip vídeo tirado do YouTube com a seguinte legenda:
Roberto Carlos actua ao vivo para a televisão Portuguesa RTP na década de 60 no programa "Canção é Espectáculo". Foi a primeira vez que o cantor actuou em Portugal, deixando as fãs também aqui em delírio. Um marco na carreira do cantor.
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Logo associei a designação dona-elvira a calhambeque e passei a gostar de ver essas espécies raras nas enciclopédias e livros que sempre gostava de devorar. Mais uma vez evoco a minha adorada colecção "Ver e Saber" da Editora Verbo, que no seu nº23 nos apresenta o título: "Os primeiros automóveis".
Embora nunca tivesse uma paixão por automóveis, soube sempre apreciar as peças raras que eram os automóveis antigos. Tinha a sorte de poder de vez-em-quando entrar numa garagem que, na Rua Serpa Pinto, ficava, no mesmo passeio, a algumas casas abaixo da casa onde morava. Nessa garagem (que faz a esquina do beco perpendicular à "Casa Felicidade") era guardado uma dona-elvira de cor esverdeada, com a matrícula CVS-11. Mas a viatura antiga mais bonita da capital era o célebre "Bu Mai", uma carripana azul de chapa CVS-7 que deambulava pelas ruas da cidade fazendo ruídos toscos e buzinando uns "aguga!" engraçados, para o deleite da criançada que corria, atrás do carismático veículo.
Porém, os termos carripana e calhambeque, não traduzem bem a realidade dos automóveis antigos de colecção, pois estes são preciosidades bem cuidadas e reluzentes. Antigo não é forçosamente velho. Vejamos o que diz o Ciberdúvidas para o termo dona-elvira que, esse sim, melhor caracteriza a situação:
Dona-elvira não é um sinónimo absoluto de carripana ou calhambeque.Carripana significa: «carruagem velha e de má qualidade»; «automóvel fora de moda». Calhambeque significa «barco pequeno e velho»; «automóvel velho e a funcionar mal»; «traste».Dona-elvira é um automóvel de modelo muito antigo, mas que poderá estar muito cuidado e a funcionar relativamente bem.Observe-se que, embora se encontre a forma «Dona Elvira», por exemplo, em G. Augusto Simões, Dicionário das Expressões Populares (Lisboa, Edições D. Quixote, 1994), a expressão já está perfeitamente integrada no léxico como palavra característica do português europeu. Assim se explica que a forma hifenizada dona-elvira, substantivo feminino, seja a que está registada em recursos lexicográficos mais recentes como o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) e a Mordebe — Base de Dados Morfológica do Português (em linha desde 2005 e constantemente actualizada).
Não é que há dois dias, recebo no meu e-mail, uma magnífica imagem, gentilmente divulgada pelo meu primo Carlos Loff Fonseca, um aficionado e profissional da fotografia. Esta imagem é a de uma dona-elvira passeando nas ruas da cidade da Praia, nos anos áureos em que a mesma não era uma antiguidade!
Com a devida vénia reproduzo aqui a octogenária fotografia em questão:
Para melhor situar a época, da pesquisa de imagens que fiz na Internet, encontrei um modelo de 1929, que muito se assemelha ao da fotografia "praiense", um Ford A Phaeton - 1929 (Azul, Descapotável) e adiciono uma foto do mesmo local, a Praça Alexandre Albuquerque, tal qual ela se encontrava ontem, dia 28-2-2009.
Foi um prazer ler este texto. Do calhambeque do Roberto Carlos duvido que alguém da nossa geração não se recorde. Dos calhambeques que circularam na Praia não me recordo, mas do Bu Mãe contavam-se umas anedotas que chegaram ao meu conhecimento (pelo que se calhar ainda vi o carro embora não ligasse nada a isso).
ResponderEliminarUm abraço
João Manuel
Boa Noite
ResponderEliminarHoje fui procurar quem foi Dona Elvira, porque aqui onde moro (Recife - Pernambuco - Brasil) existe uma rua e uma praça que levam esse nome, e este é o nome da minha mãe que tem 83 anos, ela me perguntou porque esses lugares tinham este nome, dai fui procurar para ver quem foi Dona Elvira, e encontrei seu blog, não sabia que era o nome de um automóvel antigo, agora toda a família vai saber que ela (minha mãe) tem um nome chic).
Abraços e Parabéns pelo blog.
o carro da foto em preto em branco parece muito um Fiat 501, de 1924.
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