domingo, 5 de abril de 2009

Roxos passos do Senhor dos Passos

Todos os anos quando, como hoje, é Domingo de Ramos, lembro-me do "martírio" que era obrigado a consentir quando de tenra idade (dos 4 aos 8 anos) era levado pela minha mãe a calcorrear, entre vultos enormes (os adultos), as ruas da cidade durante a "procissão do Senhor dos Passos". Aquilo era um autêntico suplício para mim; pior era aquela interminável lengalenga dos padres durante a missa, em frente da capela de Santa Isabel, no Hospital da Praia. Ficava eu de pé entre os adultos, ouvindo os padres sem os ver e sem poder falar ou brincar. Ao fim da procissão meus pés ficavam doridos, talvez tão roxos quanto a velha túnica do Senhor dos Passos!

Qual a razão disso? Ei-la: minha mãe tinha perdido sua primeira filha durante o parto; durante a gravidez do segundo filho (Eu) o médico dera-lhe poucas esperanças; então ela fez uma promessa ao Senhor dos Passos, que, se tudo desse certo, passaria a ir todos os anos no Domingo de Ramos, às procissões e levar-me-ia consigo para que eu participasse nesse "agradecimento a Deus". Ao me lembrar disso, não posso deixar de pensar na frase que um amigo meu muçulmano proferiu em Nice, quando eu lá estudava: "os católicos fazem negócios com Deus!".

Mas a procissão do Senhor dos Passos era algo de espectacular. Na realidade essa procissão é chamada com mais propriedade de "Procissão do Encontro". Melhor ainda: a Procissão do Encontro de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Em muitas regiões interiores do Brasil esta procissão se desenrola na 4ª-feira da Semana Santa. Aqui na Praia fazia-se no Domingo de Ramos. Eis uma descrição do evento:

Os fiéis (maioritariamente masculinos) saíam da Igreja de Nossa Srª da Graça, junto à Praça onde eu moro, com a imagem do Senhor dos Passos e as mulheres esperavam na Capela de Santa Isabel, no Hospital da Praia, donde iria sair a imagem de Nossa Senhora das Dores. Acontecia então o emocionante encontro entre a Mãe e o Filho. O padre, então, começava a missa, e a um dado momento proferia o célebre Sermão das Sete Palavras de Jesus Cristo na Cruz:

1. Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. (Lc 23,34 a);
2. Hoje estarás comigo no paraíso. (Lc 23,43);
3. Mulher eis aí o teu filho, filho eis aí a tua mãe. (Jo 19,26-27);
4. Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonastes?! (Mc 15,34);
5. Tenho sede. (Jo 19,28 b);
6. Tudo está consumado. (Jo 19,30 a);
7. Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito. (Lc 23,46 b).

É uma pena que na nossa cidade da Praia, já não se façam procissões na Semana Santa como as que se faziam há 40 anos atrás. A da 6ª-feira Santa, ou a do "Enterro do Senhor", era muito interessante. Ainda me lembro das velas que eram resguardadas por um invólucro de forma poliédrica em cartolina branca, (espécie de pirâmide de base quadrada, truncada e invertida), com janelinhas em forma de cruz, estrela ou coração, forradas com papel de celofane vermelho. Dizer que os tempos são outros e que a cidade cresceu, não pega, pois Lisboa ainda tem dessas procissões como podem constatar no clip que se segue:

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