domingo, 20 de abril de 2008

Acácia Americana - a árvore entre a asma e um sublime mel de abelha

Prosopis Juliflora - como me posso esquecer deste nome?... se em pelo menos seis circunstâncias este nome foi esculpido na argamassa de meu encéfalo. Ei-las:
  1. Comecei a coleccionar folhas entre páginas de livros grossos e tenho um olfacto apurado.
  2. Participei nas primeiras plantações de árvores em Cabo Verde, após a independência.
  3. Doutorei-me no Arizona, adoro grelhados (barbecues) e aprecio mel de abelha.
  4. Tenho António Advino Sabino entre meus melhores amigos e o meu PhD é em Ciências do Solo e da Água.
  5. Escrevi 50% do Relatório de Cabo Verde à Conferência sobre o Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92
  6. Via (e vejo) a praça Alexandre Albuquerque das janelas de minha casa, sofria de bronquite asmática em criança e tenho um filho alérgico a pólen.
Cada um destes pontos dá para escrever uma longa crónica. Tenham então a paciência de ler estas mais reduzidas crónicas que se seguem:
  1. Como já tive a ocasião de vos deixar saber, na minha puberdade e adolescência adorava conviver com a Natureza e fazia colecções de insectos (com um anexo de borboletas), rochas, conchas e folhas de plantas que prensava entre as páginas de velhos e grossos livros de contabilidade do meu avô materno, comerciante falecido em 1948. A Praia-Negra e a encosta debaixo do Hospital, eram meus lugares habituais de recolha das mais diversas amostras. A referida encosta era atapetada de Jatropha Curcas, o Pinhão Manso brasileiro que em Cabo Verde responde pelo nome de Purgueira; em poucos anos a acácia americana (a tal Prosopis Juliflora) substituiu a purgueira e acabei por tentar prensar as folhas e flores dessa acácia entre as tais páginas de contabilidade. Foi nesta tentativa de prensar as folhas da acácia, que o meu olfacto apurado discerniu um odor vagamente familiar que reportei porvir da seiva das folhas em questão. Poucos dias depois, um amigo mais velho transfigurou-se, passando de um cenho franzido (ao cheirar as folhas esfareladas que eu lhe estendia entre os dedos) a um rasgado sorriso, proferindo entre gargalhadas: "Queli... tâ tchera só cabxxxxx!" e cheirava mesmo a sémen humano fresco! Foi a primeira marca indelével da Prosopis na minha mente.
  2. Após a Independência de Cabo Verde, em 1975, o Governo defrontou-se logo com um problema candente: Energia! o Mundo sofria ainda dos efeitos do "crash" petrolífero de 1973 e o humilde camponês cabo-verdiano cozinhava cachupa com lenha (esta representava mais de 80% do combustível rural). A FAO aconselhou o Governo a desencadear uma vasta campanha de florestação tendo financiado conjuntamente com a cooperação belga, a introdução maciça da acácia americana. Esta não só era resistente à seca, como também, em menos de 3 anos, iria produzir bastante lenha e vagens para as cabras e demais alimárias. E sendo assim, lá estou eu a participar nestas campanhas de florestação com saquetas de Julifloras entre as mãos! (2ª punção cerebral).
  3. Ao chegar a Tucson para estudar na Universidade do Arizona, reparei que ali também havia nas ruas uma planta muito semelhante à nossa Prosopis Juliflora. Chamavam-na de Mesquite e diziam que dava um carvão formidável para os famosos barbecue. Mais tarde vim a saber, que o mel das abelhas que sugavam o néctar das flores dessa árvore, era considerado pelos entendidos, como um mel monofloral classificado entre os melhores do mundo. Quando usei o carvão de Mesquite (mais caro) e experimentei o não menos caro "Arizona mesquite honey", adoptei-os e assim a Prosopis Juliflora Velutina (a espécie do Arizona) foi a 3ª marca indelével da acácia nas minhas memórias.
  4. Tinha então a acácia americana em muito boa conta e podia-se até dizer que era um fã deste ser vivo extraordinário. Até que em Tucson conheci de perto António Advino Sabino, o engenheiro agrónomo responsável pelos fantásticos trabalhos de correcção torrencial, luta contra a erosão das encostas, enfim, o conhecido Director Geral da Conservação de Solos da jovem República de Cabo Verde. Uma grande amizade nasceu e um belo dia, conversa puxa conversa, lá estava eu a gabar as virtudes da Prosopis... quando Sabino me interrompe quase que vociferando: "Ó rapaz, tchá diss! Ês é maior praga quês btá na Cabo Verde!" ... e lá foi ele me elucidando que a referida acácia tinha sido banida internacionalmente (proibida mesmo) pelas suas características infestantes, que só no Arizona era permitida por causa do mel e do carvão ... e em Cabo Verde pela ignorância dos então governantes. Mais dizia ele que a planta suga a água a mais de 4 metros de profundidade (o lençol freático da ilha do Maio onde temos o maior perímetro de Julifloras, desceu de tal modo que os poços secaram) e que onde ela entra nada mais cresce! Antes que meu amigo se tornasse apoplético, apressei-me a concordar com ele, mas céptico e cauteloso como era (e sou), lá fui agendando incursões às bibliotecas para me elucidar (a Internet ainda não era para nós, pois estávamos em 1987). O que li e aprendi, conjugado com o que de solos percebia, me fizeram doravante alinhar ao lado de Sabino, na luta contra a continuação do uso indevido da acácia americana em Cabo Verde. Foi esta a 4ª marca!
  5. Regressado ao INIDA em 1990 com meu PhD acabado, fui chamado a chefiar o Departamento de Recursos Naturais desse Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário. Em 1991 Sabino tornou-se Presidente do INIDA e juntos fomos a algumas conferências sobre o Ambiente. Eram oportunidades para desancar sobre a Juliflora e uma vez, numa entrevista à RCV no Mindelo, contrariei a campanha do Presidente da Câmara em prol da plantação da Prosopis,... alegando que, "a questão não é como alguns andam aí a propalar." Só que a boca resvalou para "...andam aí a papaguear!" Entretanto, Sabino orgulhava-se de ter introduzido no país uma espécie muito melhor, a Acacia holosericea (de origem australiana) que, também resistente à seca, não era nem infestante, nem esterilizava os solos. Quanto a mim, fui convidado a integrar uma equipa de quatro consultores para escrever o relatório de Cabo Verde à Conferência do Rio e aproveitei para nos 25% que me couberam, escrever 50% do relatório e dizer entre outras coisas, o que competia sobre o uso da Prosopis Juliflora em Cabo Verde. Porém, salientei que pelo facto de Cabo Verde possuir uma abelha europeia dócil (uma Apis Mellifera diferente da feroz abelha africana) e reputada por fabricar um bom mel, devia-se apostar na apicultura e aproveitar melhor as acácias. Este relatório impôs-me a quinta marca!
  6. Com esta recente marca avivada na cabeça, tudo era pretexto para maldizer a acácia americana. E para cúmulo, a paisagem que vislumbrava através das janelas da minha casa era por demais elucidativa do poder aniquilador da famigerada Prosopis. Vejam o estado calamitoso dos canteiros da Praça Alexandre Albuquerque, cuja foto da época (1991) vos apresento ao lado. Nesse ano nasceu meu filho Mauro, que pouco tempo depois acusava violentos sintomas de falta de ar, rapidamente diagnosticados como provocados por alergia a pólen de acácias. Por ter sido asmático em criança, sabia avaliar o sofrimento do petiz. Assim, creio ser esta, entre todas, a pior referência à Prosopis !
Obrigado pela vossa paciência em ler estas linhas. Que aconselharia para as políticas concernentes a esta acácia?

Obrigado e até ao próximo Domingo.

1 comentário:

  1. Eu como sou uma pessoa um pouco virada para as questões da energia até podia dizer ser a favor a plantação de Prosopis Juliflora, mas depois de ler o post fiquei sem saber o que é melhor. Mas prometo fazer algumas pesquisas e tentar entender alguma coisa sobre o assunto e votar antes do último dia.

    Cumprimentos, e até o próximo Domingo.

    ResponderEliminar